«Lá Para o Senhor D. Fradique é o que quiser»
Com a costumada acuidade no levantamento da caça, vem o Mendo Ramires perguntar se o fradiquismo é uma doença nacional das elites. Claro que ao Homem que tomou para ilustração da Assinatura um outro personagem queirosiano, aquele que foi regenerado pela acção, não poderia agradar, de todo, o ramalhete de qualidades raras não aplicadas que Carlos Fradique Mendes foi. Venho aqui deixar contestação.
Em primeiro lugar este desperdício de vantagens não é exclusivo luso. Veja-se, por exemplo o Ulrich de Musil, na Áustria às portas da 1ª Guerra Mundial. Quanto ao seu aproveitamento para os negócios públicos, desfradicá-lo-ia, porque já Epicuro dizia que os sábios não discutem política. Isso, acrescento eu, deve ser deixado a nós outros.
Quanto à escrita em que poderia deixar os seus conhecimentos ou a sua arte, era possibilidade torpedeada pelo pudor de quem, sabendo-se acima dos coectâneos, não tinha a jactância de achar o produto da sua pena digno de se lhe ligar ao nome eternidade fora, considerando-o, merecedor de um pouco mais do que a quebra da reserva. Assim se explica a fúria contra o abusador Vidigal, esse «indiscreto, burguês e filisteu» que revelou a autoria de linhas que apenas tinha permissão de publicar sem identificar.
Eu sei, os Mestres Integralistas apontavam esse Homem Superior sem préstimo imediato como exemplo a não seguir, para recuperar o País do ponto baixo a que chegara. F. Mendes era imperfeito, porque, do princípio ao fim, podia ter sido, não chegando ao condicional, em virtude de não preencher concretamente qualquer "se". Mas temos de perguntar-nos porquê. E a razão está exposta nas cartas que afinal nos deixou: via um Povo bom mas trafulha, estragado e não norteado por uma classe política indigna. Nunca se permitiria integrar esta última, que dava uma das batedoras enxadadas na cova que outros continuariam a abrir e os de hoje estão quase a fechar. Mas exergava as qualidades e os defeitos dos governados que desencorajavam qualquer Pessoa de Bem a tentar algo por eles. E, contudo, amava a Gente Humilde desta terra em que todos são conhecidos, como comprova a paga acrescida que deu ao enganador cocheiro que, na célebre noite chuvosa, o tentava enganar e cuja fala titula este post.
Não, Meu Caro Mendo! O Fradiquismo não é uma doença. É nacional sim, mas é um diagnóstico que a única elite digna do nome faz ao Todo. E só voltará a ser alguém o nosso Portugal quando ele passar a estar errado.
A fotografia, antiga, é tida pelos que a publicaram como parecendo reproduzir um efeito da névoa que sugere a imagem desvanecendo-se, de um cavalheiro. Assim é Fradique num tempo em que já não há Desses.
2 Comments:
At 2:14 PM, Je maintiendrai said…
Certeira análise, que perfilho, do fradiquismo caro Cunha Porto.
At 2:25 PM, Paulo Cunha Porto said…
Meu Caro Je Maintiendrai, obrigadíssimo. Cala-me bem fundo esta concordância proveniente de Alguém que, quer pela Qualidade Espiritual, quer pelo lema que adoptou na "net", se apresenta com reconhecíveis traços Fradiquísticos.
Abraço.
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