A Espuma dos Dias

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É evidência comprovada continuamente a de a profundidade que cada um se consegue detectar estar indissoluvelmente ligada às vozes que abafa no seu espírito, para garantir a aparência de razoabilidade, mas que não o deixam, ao ponto de não poder escapar à cedência de ver nelas a própria essencialidade do Ser. Deixá-las é como, para muitos, a tentativa de largar o fumo. Volta o hábito com mais força.

Eis-nos perante um vício considerável o de não conseguirmos deixar de ouvir os discursos que em surdina emitimos, tão dependentes que estamos desse inaudível som para nos atribuirmos algum peso individual, não percebendo que por muito que exerça a gravidade própria será superficialidade absoluta para o Todo do Mundo. Ali reside a vida de cada um. E é da possibilidade de não nos despojarmos do fio oratório interior que se pode dar a iminência de algum retorno, a esperança da Luz maior.
De Mário Saa:

Reverto-me em mudas falas
e morro à custa de tê-las;
endoideço com pensá-las
mas não sei viver sem elas.

Pegam-se tanto, às carradas!...
mas o melhor é deixá-las:
que o dá-las por acabadas
não é senão prolongá-las.

Antes o tempo as consuma
que a gente querê-las superar:
sopra-se o laivo da espuma
por baixo encontra-se o mar.

Por baixo encontra-se o mar
a muitas braças de fundo;
pois mar, e homens e ar,
são inda a espuma do mundo.

Quem pode nunca apagá-las,
quem pode nunca perdê-las!...
Os ecos seguem-se às falas,
os dias seguem-se às estrelas!


Atravanquei com «Mudo», de J. Littell
e
«Fala, Memória», de Paul Uhlmann.