Pactear e Patear

Está tudo de pernas para o ar? O facto de Marcelo Rebelo de Sousa, pretensamente à Direita, e de Vicente Jorge Silva, da boca para fora à Esquerda, defenderem posições sobre os pactos de regime que seriam de esperar do outro lado do espectro político não deve espantar. Se, historicamente, o lado canhoto privilegia a luta e a ruptura e a Direitita os paninhos quentes, não deve admirar que, hoje, MRS queira não mais do que dois entendimentos e VJS admita muitos mais. Ao comentador televisivo não interessará uma consagração expressa do que já existe - a quase indiferenciação programática entre PS e PSD - selada com oficiais bacalhaus, pois sabe que, chegada a hora de disputar a Presidência, Guterres andará muito mais eficazmente sobre águas consensuais de uma década. A Vicente interessa tentar recuperar um mito de Alma da Esquerda, a mobilizar contra o capitulante Sócrates, com preocupação correlata acerca do papel do Parlamento, o local do "conflito possível". O que se passa é que para os dois grandes partidos o negócio da solução pactada é pouco menos do que da China, por atirar PCP e PP para franjas eleitorais cada vez mais esfarrapadas, até porque não beneficiam do estatuto de signatários do acordo. Estraçalhar os pequenos sempre foi coisa capaz de unir os grandes. O truque apenas comporta um risco: projectar para a contestação ao regime o que tem sido contestação dentro do regime. O BE não conta, não contesta o esqueleto constitucional, apenas vive da oposição facial à sua classe política. A grande oposição às opções legislativas, conectando-as com a própria essência do sistema, apontado a dedo na sua globalidade, tem de caber a outros. Na esfera doutrinária, porque a organização em partidos levaria a pactuar com o demo-liberalismo reinante, em vez de pateá-lo, como se impõe.