O Desprazer de Ler
Na incompreensão que saltou para os jornais, entre o Nobel quase canário e a Ministra da Cultura, sobre o fomento do acto de ler, tenho de compreender a posição de ambos. Também tenho a mais profunda dúvida de que os estímulos com tal finalidade tenham sucesso, ainda que em dose moderada. Mas o Governo tem de o tentar, mesmo sabendo ser uma causa perdida, sob pena de demissionismo. O problema é que não se consegue convencer quem não quer ser convencido. O misantropo, que, apesar da postura, tem facilidade em falar com as pessoas, na rua, não cessa de se surpreender com o orgulho com que tanta gente, de vários estratos económico-sociais, se gaba de não ler, ou de apenas ler jornais e revistas. E, em alguns casos, até acrescentam o ar de pena com que brindam este desgraçado, quando o vêem com uma saca de volumes às costas, como se o descobrissem condenado ao Inferno na Terra.
Confesso que ainda senti uma esperança com a INTERNET, que, disponibilizando páginas sobre os temas mais desejados, com facilitação da demanda, criasse hábitos de leitura, propiciando uma ulterior transferência para os livros. Mas tenho sido desenganado, que a procura na rede, no que à maior parte da Juventude toca, versa, sobretudo, páginas de actualidade que esmagam qualquer pretensão de concorrência do livro, muito menos célere.
Sem esquecer que a maior parte das consultas se dirigem a páginas mais de ver do que de ler...
9 Comments:
At 11:26 AM, Anonymous said…
Penso que ler exige tempo e disposição.Tiraram-nos o tempo ( na Islândia, ao menos, a quinta-feira não tem TV, por ser o dia da leitura), ficámos sem disposição e sem interrogação. Como poderia eu "ler" uma tela ou reler os rostos das pessoas, se não tivesse essa coisa que se exprime com "é engraçado!" num tempo em que os vencedores dizem que é melhor cair em graça que ser engraçado? Ler exige interrogação. André
At 11:52 AM, Paulo Cunha Porto said…
Meu Caro André Bandeira:
Que alegria, ter comentário Seu, aqui no misantropo. Interessante esse outro estímulo dos Islandeses. E numa população em que a Parte Feminina é muito superior em número à masculina, creio. Por cá, se fosse suprimido um dia de TV, haveria revolta certa entre as Senhoras, por causa da perda da novela e entre os homens, devendo-se à diminuição de notícias da bola.
E o que diz, da capacidade de nos surpreendermos e aprofundarmos o nosso interesse a partir desse momento pioneiro, é bem verdadeira fonte de clivagem, face àqueles que não sentem a mesma espora.
Grande Abraço.
At 1:16 PM, Anonymous said…
Caro Misantropo,
«O desprazer de ler», diz V.
Morno, está a aquecer, está a aquecer...!
V. aproxima-se do núcleo da questão: e eu sei que V. sabe que se aproxima...
Qual é ele? Este: ler é perigoso.
Logo, há que fomentar a não-leitura.
Como? Dizendo leiam, leiam! Como assim? Fazendo - ou melhor, regurgitando e, sobretudo, anunciando - grandes Planos (de preferência quinquenais).
Só? Sim. Basta que contenham doses bastantes de Saramago e outras ervas daninhas. Depois da ingestão forçada, não esquecer: falar de novo às criancinhas (de todas as idades) no "prazer da leitura".
Eficácia garantida, Meu Caro Misantropo. Remédio santo.
(Assinado:)
Passou-me Uma Coisa Pela Cabeça.
At 1:35 PM, Jansenista said…
Se eu fosse governante, diria coisa diversa; como não sou, não me rala grandemente que o pessoal não leia - admito até que certas leituras sejam piores do que a ausência de leitura (pense-se nalguns autores que com muito mérito vivem hoje nas ilhas dos cães).
Desde que não seja proibido ler, eu cá vou lendo umas coisitas, sem desdenhar livros com muitas fotos...
At 2:32 PM, Viajante said…
Vim andando, às avessas, por aqui, neste sítio que caminha para antiquissimo (parabéns, que deixei por lá)...
Far-me-ia sentido aqui que, como meio e fonte, a leitura se juntasse às dimensões da curiosidade, do interesse e do espanto (o que obriga o Misantropo a ir ler o comentário da curiosidade - risos!).
As pessoas leêem... jornais, revistas e blogues - que melhoraram a diversidade de leituras, julgo que sim... (sorriso). Mais diria, que os blogues mais interessante (ou «os) são de gente Que Lê.
Não é a leitura que é subversiva, em si. Mas a capacidade de pensar. E é espantoso como se reduz, desvalora, menospreza, essa capacidade humana que é, exactamente, pensar. Sobre pensados, sobre sentidos, vividos ou inventados.
Se a leitura a alimenta...
:)
At 3:38 PM, Paulo Cunha Porto said…
Passou-Lhe uma coisa pela cabeça:
Com efeito, o cálculo que utilizasse o espírito de contradição poderia ser uma arma temível do Poder. Mas este nem precisa de tomar iniciativas: as pessoas já estão predispostas para a abstenção dessa ordália,para não falar já nos 48% que fingem o esforço sem nada tirar, segundo as habitualmente optimistas estatísticas oficiais.
Meu Caro Jansenista:
Mesmo sem chegar ao extremo que citou, é certo e sabido que uma pequena dose de conhecimento é mais perigosa do que maior volume dele, mas também do que a sua absoluta ausência.
A mim também não incomoda em demasia essa ausência de leitura geral. Mas parece-me já digna de estudo psicológico e sociológico a hostilidade mais ou menos moderada contra os que vão lendo.
Viajante Regressada:
Já vi e respondi a parabensização. Mil Graças Vos sejam prestadas. E curioso estou por espreitar o que a curiosidade Vos ditou, hihihihi!
Interessante a Vossa reflexão de serem os blogues mais interessantes os de gente que lê. Creio-o bem para Outra Gente que lê. É a fraternidade dos acossados...
E sim, ler é apenas um detonador da bomba que pensar é. Mas tanta vez me interrogo se essa explosão estará ao meu curto alcance.
Beijo, também pelo Vosso raio de acção que, esse, é imenso.
At 4:29 PM, Anonymous said…
Yes, Dear Mr. Oporto.
Books are food for thought.
Sir William Coconut.
At 4:47 PM, Paulo Cunha Porto said…
I wonder how beautiful the World would be, Dear Sir William, if Everybody would be exempted of stomach illness...
Allow me to hug You.
At 8:32 AM, Paulo Cunha Porto said…
Sim Caro Sapka, sabia que o Sr. Sousa escolheu esse pseudónimo em homenagem a um termo usado no Alentejo para designar figuras magras.
Da obra, não posso dizer que sinta qualquer afecto, mas respeito. Do homem, infelizmente, tenho de dizer menos. É pessoa que de cada intervenção pública destila ódio por todos os o poros.
Ab.
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