O Misantropo Enjaulado

O optimismo é uma preguiça do espírito. E. Herriot

Sunday, May 21, 2006

Pobre Lisboa!

A estatuária lisbonense é uma das muitas desgraças nacionais. Salvo uma extraordinária excepção, a de D. José, no Terreiro do Paço, poucas mais se aproveitam. Nesses casos não estão os horrores da Rotunda e do Rossio, mas aí quase se é tentado a dizer que são casos de justiça post mortem. Do repressor da Trafaria e matador dos Távoras já falei. Hoje calha a vez ao mais indigno indivíduo que cingiu a Coroa Portuguesa, após ter sido posto a andar do Brasil, que a impaciência para aturar os seus desvarios por lá acabou por sobrepor-se à gratidão pela independência. Optou por vir impor ao País em que nascera a vontade dos estrangeiros inamistosos. Todos os que alguma vez gostaram dele acabaram por arrepender-se, salvo o velho Terceira que aplicava a sua canina fidelidade castrense à imagem que construíra de um "soberano militar". Do quisto que encima o fálico pedestal da antiga Praça das Chapelarias, é bom nem falar. Parece ter sido uma escultura francesa do infeliz Maximiliano do México, agente de Napoleão III naquelas paragens, a qual, acabando por não embarcar, viria, em 1870, substituir o horendo Galheteiro que a precedera. Sobre o monumento escreveu Ribeiro Saraiva, Representante de El-Rei D. Miguel em Londres, numa prosa magnífica que prefaciou um poema satírico menos feliz na forma, de 1876:
«Quando a gente lê as baforadas nojentas do "Liberalismo" Portuguez, o mais criançal, còmico e ridìculo de quantos este sèculo de maravilhas tem produzido, e se reflecte em todos os "nobres" e "patriòticos" elementos que o compõem; vê-se então que faz honra, na verdade, a qualquer pessôa o enfeitar-se, empanturrar-se, com a bella alcunha de "libaral" (isto é, liberanga-a maior parte nem sabe pronunciar bem o falso nome caricato que se querem arrogar; e com razão alteram tambem o da meretriz que tomam pela verdadeira deosa, chamando-lhe "Libardade," abrindo a bôca até ás vastas orelhas-benza-as Deos!).
Custa a crer que pessôa decente, dizendo-se Portugueza e de vergonha, não a tenha de pertencer a um partido tão louco, tão pueril, tão baixo, tão vil, tão anti-nacional, tão degradado, tão ridículo; que possa olhar sem pejo e detestação para o Mono encarapitado no tocheiro do Rocio (a vender cautelas-como dizia ha dias, um velho Miguelista no Campo-de-Santa-Anna, segundo a respeiìtavel autoridade do Trinta Diabos, de 24 de Setembro); do espantalho inaugurado ali pelo heroe a quem o fallecido conde da Taipa tão aptamente caracterizou, nas breves palavras-"Doido por fora e tôlo por dentro!"
Á vista deste elogio, tão fùnebre quanto verdadeiro, pode afoitamente dizer-se, que o heroe é digno do panegyrista, e o panegyrista digno do heroe,-»

14 Comments:

  • At 3:57 PM, Anonymous Anonymous said…

    Caro Paulo;

    Continuando a admirá-lo, como sempre; estou, no caso, em desacordo. O que fazer, a vida é isto. Não gostamos de desagradar, mas também não podemos abdicar das nossas convicções(Que é pessoa, pelo que vejo, de sólidos príncipos - e alicerçados em sólida e vasta cultura).

    D. Pedro era um homem que tinha vários defeitos(já muito explorados pela historiogrfia) e notáveis qualidades.

    Que o Brasil se ía separar; é um facto. Que D. João VI lhe enviou uma carta a dar um sinal de que podia salvar a nação, é outro facto. Se se separar, que ficasse então nas suas mãos, e não de quaisquer outros aventureiros, avisou. O filho assim fez.

    Graças a isto; não existem hoje Républicas do Maranhão; républicas do Rio Grande etc.; etc..
    E temos um Brasil que nasceu Imperial; unido; e continuando a chamar-se e a ser Brasil; monárquico também - na coroa dos Braganças; que na crença daquela altura, abria uma hipótese de uma possível continuação da "união"(ou até de remota esperança de "reunificação") com Portugal, nem que fosse só do ponto de vista espiritual e cultural; que não é de menosprezar.

    Abdicou de duas coroas; caso único que conheço em toda a história.

    Como cavaleiro andante veio desocupar do trono seu irmão; que apesar do acto da usurpação, em que não cumpriu o juramento que fez, merece a minha estima, porque em tuda a sua vida, me pareceu homem e príncipe digno e sempre de palavra. (Talvez no momento da usurpação, tivesse sofrido demasiadas pressões dos seus partidários).

    Mas dizia eu, como "D. Quixote", cedeu no Brasil,abdicando da coroa; veio repor pelo combate, a legalidade na sua pátria de origem, da qual era o legítimo herdeiro; e da qual já tinha abdicado para a sua filha.

    Depois de dar a volta ao mundo, de abdicar de duas coroas, para os seus filhos; veio a morrer na mesma cama, no quarto onde tinha nascido: O quarto chamado de "D. QUIXOTE"; onde o cavaleiro da triste figura está exaustivamente representado.

    Muito lhe devemos (Brasil e Portugal)

    Tanto ele como o irmão; representam, nos defeitos e nas qualidades heróicas; o melhor de nós.

    Em desacordo, mas sempre com estima.
    Um Abraço

     
  • At 4:13 PM, Blogger Paulo Cunha Porto said…

    Meu Caro Pedro Rodrigues:
    Claro que o desacordo em nada se repercute na estima. Mas não há como concordar. Nem falei da Secessão brasileira, que é outro problema, mas sim do facto de, logo que puderam, do lado de lá do Atlântico, o terem posto a andar. E posso falar agora da quebra da palavra de renúncia libérrima ao trono de Portugal, como da desobediência às Leis do Reino que lhe interditavam, como aos sucessores, cingir a Coroa Portuguesa. Acha que isso é comparável a um acto de coacção, reconhecido por muitos liberais, com o auxílio de forças estrangeiras e logo de seguida denunciado?
    E não acredite que tenha alguma vez existido risco de atomização do Brasil. É uma ideia nacional completamente diversa da que existia na dicotomia entre "yanks" e confederados, mais ao
    Norte. Quanto ao resto, é ver os depoimentos dos ex-adeptos do homem, do pobre D. João VI, ou as próprias cartas dele, que falam por si. Uma peste!

     
  • At 5:10 PM, Anonymous Anonymous said…

    Meu Caro Paulo; peço desculpa se eventualmente cometi, ou se vier a cometer algumas imprecisões históricas naquilo que memorizei dessa época histórica.

    É verdade o que diz; mas seja como for, o problema da sucessão coloca-se novamente, logo em 1826; após o falecimento de D. João IV. Parece-me que o testamento paterno - o testamento do Rei; continuava a indicar D. Pedro como sucessor. Nesta situação delicada; D. Pedro, sensatamente terá abdicado para a filha; com D. Miguel (O tio) como rei consorte; (D. Miguel deteria, obviamente uma forte posição política nesta solução) uma solução intermédia portanto; arranjada pelo próprio D. Pedro para resolver uma contradição judídica e agradar a "gregos" e "troianos".

    Por um lado diz-se que D. Miguel faltou ao seu juramento da Carta; por outro lado; como disse Oliveira Martins, talvez por ser demasiado dígno e orgulhoso para aceitar a solução de D. Pedro. Depois temos as reacções e contra reacções de belenzadas e Abriladas que mais acirraram os anímos de parte a parte.

    Quanto à questão estrangeira; era de facto uma parte substancial do pequeno exército que desembarcou no Mindelo; e financeiro(ao contrário do apoio nacional a D. Miguel- que também pediu empréstimos á Austria). Um ano depois, após a entrada de Terceira na Capital e do póprio D. Pedro; logo se dá a adesão em massa de nacionais aos constitucionalistas - e ao seu exército(E externamente, só aí se dá o apoio oficial de Inglaterra e creio que da França; mas não intervenção directa) D. Miguel, por seu lado gozava do apoio da Austria(e generais opositores e realistas franco-britânicos) .

    Intervenção estrangeira propriamente dita(corrigir-me-á se estiver errado) só se dá; por parte de forças britânicas e francesas, na fase final guerra(ultimos meses); ao lado dos liberais; e isto como reacção à entrada em Portugal de forças absolutistas espanholas(e do seu pretendente) para junto de D. Miguel; no fundo, pobre gente, em fuga do seu país.

    Mas o problema da sucessão é mais complexo. existem muitos argumentos de parte a parte.

     
  • At 6:03 PM, Blogger Paulo Cunha Porto said…

    Meu Caro Pedro Rodrigues:
    Nunca em Portugal uma qualquer de última vontade, mesmo de um Rei, teve, sequer remotamente, força legal bastante para derrogar as Leis Fundamentais Reino, em matéria sucessória, como noutras. Não estávamos no Império Romano, em que essa era uma fonte a ter em conta "de iure", apesar das muitas excepções de facto.
    Pelo que ficou dito, nem valerá a pena abordarmos a falsidade ou não do «testamento», pois mesmo que verdadeiríssimo, não poderia dispor nessa matéria.
    Abraço amigo.

     
  • At 8:01 PM, Anonymous Anonymous said…

    É assim com efeito.

    A Aclamação formal em Cortes(Pelos Estados da Nação), seguindo as Leis e Ordenações do Reino(nos assuntos sucessórios), por exemplo, é tradição lusa e bem hispânica(desde os Visigodos); muito embora a portuguesa aspire desde sempre á origem Dívina, desde Ourique.
    De certa forma, foi um argumento absolutista a suportar os liberais e a constituição, contra os próprios realistas.

    Quanto á veracidade do Testamento, julgo que não tem fundamento, pois será verdadeiro(acusação absolutista). Discute-se também o possível envenenamento de D. João VI; especulação e acusação desta feita por liberais. Muito grave; ainda por cima se for falsa.

    Por outro lado, uma parte fundamental do país, mesmo que D. Pedro não tivesse tomado a atitude que tomou; onde pontificavam grande parte a inteligência do Reino; continuaria exilada em Inglaterra e França até surgir a oportunidade para regressar. Por isso país acabaria por mudar, de uma forma ou de outra. Seria bom que não tivesse havido a barbárie de uma guerra civil.

    Um Abraço amigo

     
  • At 8:50 PM, Blogger Paulo Cunha Porto said…

    Meu Caro Pedro Rodrigues:
    Claro que o mais importante era a não existência de tensões graves como revoluções ou guerras civis. Mas a ameaça delas era precisamente o que o sistema tradicional pretendia evitar. É bem certo que muitos teóricos liberais, Garrett, por exemplo, como Mirabeau em frança e parte importante dos revolucionários seiscentistas ingleses quis assenhorear-se da árvore genealógica que a legitimasse na representação multi-secular da Nação a luta contra o Absolutismo. Por cá, sem atentar em dois pontos: que o sistema encarnado em D. Miguel I, apesar da forma equivocada da aclamação popular, não era a restauração do nefasto Poder Real Absoluto, mas o retorno à descentralização tradicional e à relevância das Cortes. E, pior, que a representação que agora propunham os "malhados", vivendo dos partidos e do dinheiro, era completamente incompatível com a pretendida ancestralidade regional, profissional e orgânica.
    Todos estes enganos nasceram da ambição, imaginação e charme de Palmela, que, mais tarde, disse cobras e lagartos do ex-Imperador do Brasil.
    Grande abraço.

     
  • At 10:10 AM, Blogger Flávio Santos said…

    Excelente debate entre gente (será que o Daniel Oliveira subscreveria este termo no caso presente?) culta e inteligente. Pendo para o lado do Paulo nesta matéria...

     
  • At 11:02 AM, Blogger Paulo Cunha Porto said…

    Obrigadíssimo, Caro FSantos. Suspeito de que a Figura Pública em questão seja homem para enfiar polícias e legitimistas no mesmo saco...
    Ab.

     
  • At 11:36 AM, Anonymous Anonymous said…

    Bravo, Caro Paulo.

    Quando pergunto aos meus Filhos de quem é a estátua do Rossio, já sabem dizer, sem hesitação:
    - Dom Pedro, dito "o quarto". Só fez disparates.

    E mais acima, ao chegar à Rotunda:
    - Um homem mau. Fez algumas coisas boas, mas muitas coisas más.

    Uma vez surpreenderam-me com a pergunta, aliás muito pertinente:
    - Pai, por que é que fazem tantas estátuas aos homens maus?

    Mais um tema a merecer estudo pelo Misantropo Enjaulado...

    Um abraço,

    MVC

     
  • At 12:16 PM, Blogger Paulo Cunha Porto said…

    Meu Caro MVC:
    Há uma resposta, talvez - O Mal sempre tentou o Homem.
    Obrigado pela aprovação e pela excelente educação ministrada a Essas Esperanças do Nosso País.
    Abraço.

     
  • At 12:52 PM, Anonymous Anonymous said…

    Caro Paulo;

    Muito interessante a sua visão sobre a monarquia tradicional. É verdade que de certa forma, na época contemporânea; o pensamento integralista de Sardinha e de outros vultos, concebeu um ideal que se inspirava no passado; mas que o transcendía em larga medida.

    Mas nisto, será o Paulo a dár-me lições; aqui está o pretexto para umas leituras que me estão a fazer falta.

    Reconheço a necessidade de uma profunda revisão histórica sobre o assunto. Sem preconceitos pré-estabelecidos.

    Um aparte:O Quarto palaciano de que falei; onde D. Pedro nasceu e morreu( de D. Quixote) era naturalmente do não referido Palácio de Queluz, como o Paulo sabe(mas alguém poderia ler esta referência; e á primeira vista; não se lembrando; estranhar esta referência). É a minha tendência natural, eventualmente excesiva, de ver tudo como símbolo.
    Na verdade; ambos os irmãos foram românticos, no sentido "trágico" e português do termo.

    Um Forte Abraço

     
  • At 6:49 PM, Blogger Paulo Cunha Porto said…

    Meu Muito Caro Pedro Rodrigues:
    Lições nenhumas, pobre de mim. Elas provêm, sem intermediações que prejudicam, da obra dos grandes Teóricos Integralistas. Na de Sardinha está um pouco por toda a parte, mas, pela profundidade da construção quanto ao que se desejava em matéria de descentralização e representação, sugiro o prefácio à «TEORIA DAS CORTES GERAIS», do Visconde de Santarém, de que há edição autónoma.
    Muito obrigado pelos desenvoolvimentos e, sim, tragédia e romantismo pode ser vista em ambos.
    Abraço amigo.

     
  • At 12:50 AM, Anonymous Anonymous said…

    Meu caro Paulo;

    Obrigadíssimo pela sugestão.
    O Visconde de Santarém, uma grande figura. Se não estou em erro; com obra também no plano histórico-ciêntifico; nomeadamente no estudo e publicação da antiga Cartografia nacional e das prioridades portuguesas. Também na história da diplomacia.

    Um Abraço.

     
  • At 9:01 AM, Blogger Paulo Cunha Porto said…

    Não erra um niquito sequer, meu Caro Pedro Rodrigues. Foi tão erudito e patriótico o labor do Velho Sábio na contestação do chauvinismo de alguns publicistas franceses, que até os governos liberais lhe pagaram a pensão por serviços à Pátria, apesar do seu indefectível miguelismo.

     

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