O Misantropo Enjaulado

O optimismo é uma preguiça do espírito. E. Herriot

Saturday, May 20, 2006

As Mutações da Aventura

20 de Maio foi data da morte de um grande Descobridor, Colombo. E a do êxito de Outro, a chegada de Gama ao seu destino. Mas séculos mais tarde, em 1927, foi também o da pioneira aventura nos céus protagonizada por Lindbergh. De ascendência sueca, para combinar com a foto de baixo, a sua odisseia primou pela procura do que se conhecia, quando as outras viviam do encontro com o desconhecido. Num caso, um continente, no outro uma passagem marítima. Nada disso se passava aqui, sabia-se que existia a Europa do lado de lá e que por ar se poderia atingi-la, toda a dificuldade residindo nos obstáculos que, aliás, terão vitimado os concorrentes directos Nungesser e Coli, procurando o mesmo objectivo, no sentido inverso. Também o signo do conhecimento marcou toda a vida deste Homem. Filho de um congressista, o que em cada circunscrição americana é pertencer a uma espécie de "família real", teve cobertura jornalística incomparável antes e após a aventura com o grande parceiro da sua vida, o avião The Spirit of Saint Louis, até que transformou a relação num ménage à trois, casando com a filha de um embaixador, ensinando-a a voar e fazendo delirar os leitores das fofocas publicadas com "o romance entre o Herói e a Poetisa". A tragédia havia de chegar e constituir um dos mistérios do Século XX, por se supor nunca descobertas todas as ramificações dela: um dos filhos do casal foi raptado e assassinado sem outra razão última do que a da notoriedade dos pais e a malvadez dos homens. A mesma publicidade que os fez fugir para a Europa, com o irmão da vítima e a mãe à beira do internamento definitivo em manicómio.
No nosso continente veio a política a intrometer-se na biografia, com a contestação que gerou a sua aceitação de uma condecoração por Goering. Penso que, em vez de simpatias pelo regime, se deve encontrar a explicação no entendimento privilegiado entre aviadores de mérito, já que o Marechal do Reich também o tinha sido. Mas a sua militância contra a intervenção americana na Segunda Guerra Mundial gerou polémicas estrondosas com organizações judaicas que a advogavam. É a velha questão do ovo e da galinha saber se o anti-semitismo foi causa ou consequência dessa divergência. Contudo, a sua postura durante o conflito foi inatacável, voluntariando-se para o serviço, e, recusado, participando como conselheiro civil, mas levando a cabo dezenas de missões de combate, no Pacífico. Promovido ao generalato por Eisenhower, ainda teve tempo de realizar uma palestra em Portugal, onde expressou a simpatia profunda que o Estado Novo lhe suscitava. E terminou-a ecologista. A sua vida, antes de outras de privacidade evaporada, como a de Lady Di, foi bem sintomática dos males que a consagração pode trazer à felicidade individual, quando conduza a um acompanhamento exaustivo por estranhos. Outrora, os heróis procuravam a fama. Já se viviam os tempos em que era preciso começar a fugir dela.

4 Comments:

  • At 9:18 PM, Blogger Mendo Ramires said…

    Interessantíssimo artigo. Além do mais, não tinha eu a mínima noção de quão fascinante fôra a vida do grande aviador.

     
  • At 9:29 PM, Blogger Paulo Cunha Porto said…

    É um caso absolutamente extraordinário de "representative man", Caro Mendo. Foi interpretado na tela por Jimmy Stewart, como sabes. E para veres como tenho razão no que digo, um dos seus livros de memórias intitula-se «WE», referindo-se, como segundo englobado no pronome, ao avião. Cujo nome, por sua vez, já era uma homenagem a todos os que colaboraram na sua construção e na logística da aventura.
    Abraço.

     
  • At 1:05 PM, Anonymous Anonymous said…

    Em viragem do ciclo, está o Paulo melhor que nunca. Cumpts.

     
  • At 1:42 PM, Blogger Paulo Cunha Porto said…

    Obrigadíssimo, Caro Bic Laranja.
    Todo o mérito é do Tema.
    Grande abraço.

     

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