Leitura Matinal -320
Na imagem que cada um faz de si é fácil cair na esparrela de se
descobrir asas inexistentes. Muito mais difícil é olhar-se em profundidade, ao ponto de ver-se por sob as camadas exteriores de riqueza que são a carne e a pele. A tentação de ter-se como centro não tarda a identificar todo o atractivo da Existência com a melodia em que cada um se insere e de cuja produção cada qual é capaz de participar,
ao ponto de fantasiar a melhor expressão dela na angelical imagem que julgue corresponder-lhe. O drama do desengano viria com o esclarecimento de que os músicos angélicos, por alados que sejam, não têm ossos que os prendam; e da percepção de uma ossada ser coisa bem presa à terra, incapaz do toque que lhe dê acesso a voos sonhados.
Razão para voltarmos para nós a interrogação descobridora que tenta compreender a totalidade da existência. Pois se o esqueleto se quer mais do que pode, também os viventes tentam esquecer que é uma outra abstracção da realidade o esquecimento da armação angustiante que os sustenta, procurando-se sublimes, separados artificialmente do mais térreo e terreno desmentido. Porque o Homem, por muito que se sonhe, oscila entre um e outro desses extremos, sem poder ser reduzido a apenas um deles. Tal como a Vida.
De Francisco Eugénio dos Santos
Tavares:
O ESQUELETO ALADO
Num prego de metal, risonho e pendurado
pela corda de esparto, à guisa de coleira,
vive um esqueleto alado, há anos enforcado.
Na órbita, um relógio, aponta sexta-feira.
Por fenómeno estranho, abrupto, ignorado,
esse esqueleto atroz, sorriso na caveira,
toca um violino, a sós, desengonçado,
melodias de amor que saem da algibeira.
Sobre o arco, um pardal satisfeito evacua.
De chapéu sobre o crâneo e contemplando a lua,
esse esqueleto ignora - e eu estou alienado.
De lacinho no externo imagina que a Vida
é a lânguida canção que se evola, perdida,
tocada em fá menor por um esqueleto alado.
Em companhia de «Morte com um Violino», de Arnold
Bocklin, «Melodia Abstracta», de Gregorz Chojnecki
e «Anjo Músico com Violino», de Czufin.
descobrir asas inexistentes. Muito mais difícil é olhar-se em profundidade, ao ponto de ver-se por sob as camadas exteriores de riqueza que são a carne e a pele. A tentação de ter-se como centro não tarda a identificar todo o atractivo da Existência com a melodia em que cada um se insere e de cuja produção cada qual é capaz de participar,
ao ponto de fantasiar a melhor expressão dela na angelical imagem que julgue corresponder-lhe. O drama do desengano viria com o esclarecimento de que os músicos angélicos, por alados que sejam, não têm ossos que os prendam; e da percepção de uma ossada ser coisa bem presa à terra, incapaz do toque que lhe dê acesso a voos sonhados.
Razão para voltarmos para nós a interrogação descobridora que tenta compreender a totalidade da existência. Pois se o esqueleto se quer mais do que pode, também os viventes tentam esquecer que é uma outra abstracção da realidade o esquecimento da armação angustiante que os sustenta, procurando-se sublimes, separados artificialmente do mais térreo e terreno desmentido. Porque o Homem, por muito que se sonhe, oscila entre um e outro desses extremos, sem poder ser reduzido a apenas um deles. Tal como a Vida.
De Francisco Eugénio dos Santos
Tavares:
O ESQUELETO ALADO
Num prego de metal, risonho e pendurado
pela corda de esparto, à guisa de coleira,
vive um esqueleto alado, há anos enforcado.
Na órbita, um relógio, aponta sexta-feira.
Por fenómeno estranho, abrupto, ignorado,
esse esqueleto atroz, sorriso na caveira,
toca um violino, a sós, desengonçado,
melodias de amor que saem da algibeira.
Sobre o arco, um pardal satisfeito evacua.
De chapéu sobre o crâneo e contemplando a lua,
esse esqueleto ignora - e eu estou alienado.
De lacinho no externo imagina que a Vida
é a lânguida canção que se evola, perdida,
tocada em fá menor por um esqueleto alado.
Em companhia de «Morte com um Violino», de Arnold
Bocklin, «Melodia Abstracta», de Gregorz Chojnecki
e «Anjo Músico com Violino», de Czufin.
3 Comments:
At 3:15 PM, Anonymous said…
Leitura Matinal às 14.12 minutos!?
Pois saiba que a sua Leitura Matinal acompanha, e muito bem, o pequeno-almoço de alguém (ou de muitos).
At 3:35 PM, Paulo Cunha Porto said…
Há uma diferença entre a leitura e a publicação dela, registe-se. E o Sábado é dia de permissividade, mais ainda do que de permissão. Se a vida fosse só blogar, cumpriria à risca os horários. Mas claro que se achasse tal, estaria como o esqueleto do poema.
Por isso, agradecendo o interesse, lembro o provérbio «Mais vale tarde do que nunca».
At 4:04 PM, Anonymous said…
Sendo uma bela Leitura Matinal a d' hoje, o citado provérbio diz tudo. As minhas desculpas.
(amanhã não se atrase tanto...p.f.)
Post a Comment
<< Home