Leitura Matinal -303

A riqueza e colorido do que se vai encontrando pelo caminho eleito
acaba por infundir a noção do imenso que está por alcançar, como o mais impenetrável obstáculo ao êxito da descodificação que nos propusemos obter. É a luta de sempre entre a fascinação de querer adivinhar o que está longe, frustrada pela tomada de consciência de que a multiplicidade atrapalha a linha traçada, na mira
de lá chegar. Que coexiste, muitas vezes, com a revelação de termos dentro de nós equivalente distância por percorrer e desbravar, com maior possibilidade de concentração, e menos pluralidade cromática que disperse. Ademais, a certeza de que será mais certa a determinabilidade do fim, pode arrastar-nos para a inquirição
íntima, mesmo do que ainda não vemos próximo da nossa capacidade de abarcar. É o momento da grande crise, em que, feridos, desistimos de ser anjos; e em que cada anjo de um de nós, julgando-se desempregado, se desactiva de nos proteger. Mas nem sempre é uniforme a última caminhada, o que diferencia o fim de muitos homens - encontrar ou não dentro de si abismos ainda maiores que os das explorações exteriores.
De Arthur Lobato:

REGRESSO

Há sempre mais e mais a desvendar
no longe das estradas que procuro:
mistérios em constante desdobrar
abrem mantos de luz, rasgando o escuro.

E quanto mais prossigo em meu caminho,
canteiros vão surgindo ante os meus olhos,
em segredo de cor, onde adivinho
a alma perfumada dos escolhos.

E na distância, o longe procurado
será novo mistério enraízado
na profunda rudeza dos abrolhos?

Na permanente dúvida do fim,
abandono o caminho então traçado
e a esse longe volto, só em mim!


Figurado com «My Way», de Emilia Tan,
«Mistério», de Gia Tkabladze e
«Desistindo», de Silvia Rodriguez
Dypvik.