Reacções Caricaturais

Nem um átomo de admiração pelas desculpas apresentadas pelo jornal dinamarquês que apresentou as caricaturas que ofenderam o Mundo Islâmico. Já foi conseguido o propósito; à segunda tentativa, com ajudas insuspeitadas, é certo, o golpe publicitário terá resultado. Não se pense, no entanto, que apenas pela notoriedade alcançada. O maior ganho foi obtido com a identificação de uma obscura folheca com a Dinamarca inteira e, por extensão, com o Ocidente. Podem ser apresentadas desculpas, agora, que sublinharão o papel de vítima e limparão parte das imputadas intenções de antagonismo cultural, passando para o lado de lá da rede o ónus da convivencialidade, coisa que uma cultura de Fé militante não pode suportar, desde o momento em que se sinta atacada.

Entretanto, a reacção de Pacheco Pereira, no «PÚBLICO», corresponde à tentativa, muito metodologicamente leninista, de fazer passar uma resposta tipicamente esquerdizante a um problema de muito maior complexidade do que a que enuncia. Contestando, en passant, o protagonismo da religião, como clivagem central da crise, tenta desvalorizá-la e, em simultâneo, dividi-la, afastando as adesões que a problemática, colocada nesses termos, poderia suscitar. O lado em que se posiciona é o mesmo em que me situo, no que toca à absoluta necessidade de impedir a culpabilização global do Ocidente pela paródia de um cartoon. Mas está nos antípodas daquilo em que acredito, ao reduzir à idolatria da liberdade e ao elogio do conflito um problema de contornos muito mais sinuosos. Há uma frase do Polemista Citado que diz tudo: «não quero saber se houve intenção de ofender (e depois?)». Penso que todos devemos pensar se a intenção era, de facto, ofender uma religião, ou descrever uma abusiva interpretação dela por parte dos seus seguidores. Pelo que considero estar a substância do debate afastada do que Pacheco nos propõe. Mas a dignidade dele está muito mais longe da atitude do Ministro Freitas. O que é muito pior!