Leitura Matinal -259

É perigo de morte, no sentido Metafísico, como no meramente espiritual da expressão, a inexistência de compartimentos-estanque no Espírito Humano.
Assim, a ofensiva da Estética contra a Moral, procurando conferir ao domínio do dever a degradação do seu estatuto que o iguale a todos os prazeres, clamando que qualquer escolha já se subsume a esse critério, acaba por encontrar o mais draconiano dos castigos terrenos no salto de mentalidade que, em sentido inverso, dá em elevar o estético ao que se pretenderia que fossem cumes mais elevados, como a ética e a política.
Toda a confusão, todo este mal - que a mesma coisa é - nasce da assimilação no aplauso de toda a actividade criativa do homem, sem estabelecer campos vedados à mistura com outros, fazendo das próprias palmas a essência da construção sistemática, ou da obra de arte, sem ver a emboscada que espreita à saída de tão perigoso caminho.
É que os bancos de areia invisíveis, constistuídos pelo maravilhamento ou simples aceitação acríticos do que aparece como excitante dos sentidos e da superficialidade do Belo, sem resguardar da restante actividade humana o seu império, acabam por ser também um suicídio do estatuto da actividade estética: já não desfrutando da "esfera de influência", sem rivais, vai, ela própria, tentar disputar as alheias. Toda a «mentira» que era, assumidamente, a arte, quer, enfim, despojar-se desse estatuto, o que a faz, ficcionando-se, renunciar ao status de ficção que era o seu mais belo atributo. Por entre as excitações e amplificações dos hipersensíveis que mais facilmente reagem.
De Wallace Stevens:

UMA VELHA CRISTÃ DE TOM ALTIVO

A poesia é a ficção suprema, madame
Tome a lei moral e faça dela uma nave
E da nave construa o céu assombrado. Assim,
A consciência é convertida em palmas,
Como cítaras de vento ansiando por hinos.
Em princípio concordamos. É claro. Mas tome
A lei oposta e faça um peristilo,
E do peristilo projecte uma mascarada
Para lá dos planetas. Assim a nossa indecência,
Não expurgada por epitáfio, praticada por fim,
É igualmente convertida em palmas,
Manejando-se como saxofones. E palma por palma,
Madame, estamos onde começámos. Permita,
Portanto, que na cena planetária
Os seus flageladores desafectos, bem-comidos,
Em parada, batendo nas barrigas entontecidas,
Orgulhosos de tais novidades do sublime,
Tais trran-tan-tan e trrum-tum-tum,
Possam, meramente possam, madame, arrancar de si mesmos
Uma jovial algazarra entre as esferas.
Isto fará crispar as viúvas. Mas coisas fictícias
Piscam quando não querem. Piscam mais quando as viúvas se #crispam.


Cubro com «Consciência», de Chet Philips, «O Aplauso é Em Si
Uma Continuação da Peça», de Rebecca Guberman e «Ficção Prematura»,
de Pete Smith.