O Direito ao Nome
Toda a conversa em torno da graça do Amigo Jansenista trouxe-me à ideia uma curta reflexão sobre o uso de nicknames na net. Avesso que sempre fui ao uso de pseudónimos, tendo, inclusivamente , há pouco, recusado um atractivo convite que implicava essa condição, compreendo perfeitamente as pessoas que não desejam ver as suas vidas pessoal e profissional misturadas com a sua actividade bloguística. Mas um prisma há pelo qual gostaria de focar a questão. Trata-se da criação de um personagem. Já disse a uma Colega nossa que considero ser o mais difícil deste métier. Ao menos no que respeite a torná-la... real. Poderão dizer-me que essa reinvenção de si existe sempre, na medida em que ninguém, na vida, será em absoluto coerente com o tom e as posições que toma ao escrever. Mas gostaria sobretudo de salientar as indicações que dão um nom de plume, por vezes complementadas com o nome do blog. No meu caso vivo uma situação híbrida: assinando com o nome com que me conheço, faculto sempre a comparação entre o internético misantropo e o Paulo com que o podem confrontar. Daí que os posts dos primeiros dias desta casa tenham sido uma tentativa de explicitar a medida da "misantropia" que aqui se consome e abre ao público. Queria tudo menos que pensassem andar o autor destas linhas`aos pontapés às pedras, vomitando impropérios mais agrestes do que os no texto deixados, contra tudo e contra todos. Mas, apesar da insistência, ainda há dias um Velho Amigo, com quem há algum tempo não cavaqueava, dizia que por cá havia misantropo,«mas pouco». É o mesmíssimo crítico sagaz que defende ter um conto erótico em tempos por mim publicado pouquíssimo de erotismo.
A maior surpresa, entretanto, veio das interpretações que o «enjaulado» gerou. Várias foram as negações caridosas do estatuto, apiedadas do sofrimento do animal em cativeiro. Quando o que eu pretendia significar era apenas o grau de exposição a que me dava. Não só pelos temas de que aqui falo, como a assunção do nome, a aposição da fotografia, local de residência, gostos & desgostos em medida razoável, como a Zazie um dia referiu. Todas estas opções não passam de truque. Não sabendo muito de nada, mas provando uma pitadita de cada coisa, vi-me obrigado a tentar cativar o interesse de quem lê pela autenticidade que adviesse de um desnudamento pronunciado da alma. E a imagem que me ocorreu, para tanto, foi a do animal por trás das grades, submetido aos olhares curiosos de todos os visitantes do Zoo que é a blogosfera. Eis o que me decidiu à configuração do meu personagem. Que, contudo, vive em eterno espectáculo de confronto comigo, não me toma a tempo inteiro, mesmo diante dos Vossos olhos. E chega de falar do tema que, não me enojando, mais me enjoa - a minha própria pessoa.
14 Comments:
At 9:01 PM, zazie said…
a primeira vez que vi a foto achei muito engraçada porque imaginei o Paulo encerrado com os livros atrás das grades ":O)))
(mas vocês que chegaram à blogosfera é natural que nem tenham pensado em nicks. Nós já cá andávamos desde o Pastilhas e aí todos tínhamos nick. Quando apareceu a blogosfera não fazia sentido mudar.)
Agora, quanto mais não seja por defesa de causa é que não mudo!
E o anonimato nem é interno, é mais externo, ou nem totalmente isso...
At 9:16 PM, Paulo Cunha Porto said…
E agora já nem podias. A Zazie, que alíás permite brincadeiras como a do Jansenista, há dias, ou a que fizeste no primeiro comentário que cá deixaste, já é uma Personalidade sem a qual não se pode passar...
At 9:59 PM, Je maintiendrai said…
O confrade Cunha Porto (apesar do "puzzling" do nick misantrópico, agora explicado) não me surge como um caso dramático de desdobramento de personalidade: não deixa dúvidas na blogosfera daquilo que deve ser no grande teatro do mundo -- um gentleman culto e de bem.
At 10:08 PM, Paulo Cunha Porto said…
Meu Caro Je Maintiendrai:
Cavalheirismo e bondade acham-se na apreciação que teve a bondade de fazer. Mas é sempre agradável ouvir coisas destas, mesmo que tenhamos dados que nos não permitam partilhar a opinião.
Permita-me abraçá-Lo
At 8:38 AM, Pedro Botelho said…
Aproveito esta interessante discussão para lembrar que é sempre curioso saber quem é quem, mas manda a ética que quem sabe cale, mesmo junto de quem sabe que sabe.
Por isso, não é crime dizer "eu sei", mas é crime dizer -- nem que seja ao próprio em pessoa, sem mais ninguém por perto! -- "tu és".
Dito isto, se Pedro eu não fosse de verdade, não sei sobre que construiria a minha igreja. Mas um dia destes ainda arranjo um pseudónimo como aquele ~OvO|OvO que deixei na "Legitimidade e Paternalismo".
A cada um seu favorito, nestes entrefolhos do Tempo, ó almas silenciosas feitas de fugazes electrões!
At 9:46 AM, Flávio Santos said…
«(...) não deixa dúvidas na blogosfera daquilo que deve ser no grande teatro do mundo - um gentleman culto e de bem.» A verdade desta asserção foi já por mim confirmada no trio de ocasiões em que com ele privei, pese a incompreensível tentativa do nosso modestíssimo blogueiro de o negar.
At 10:15 AM, Paulo Cunha Porto said…
Por acaso, Caro Pedro, Viajante do Tempo dava um grande "nick"!
Oh Fg Santos:
estou com as faces da cor das camisolas dos atletas do meu Clube!
Abrações.
At 11:05 AM, Viajante said…
O primeiro post explicou o Misantropo e o Enjaulado, pelo menos das intenções e votos originais. Os outros todos depois, até hoje, vão apresentando prismas - de opinião, de pensamento, de si e da visão do mundo e das coisas.
O Misantropo aponta a blogoesfera como zoo - nesta metáfora, cada nick seria um «animal» ou algo supostamente «raro» ou «estranho» em exposição - uma espécie de ilha do Dr Moreau?(risos).
A identidade? ah, a questão do «nick». Não tenho dúvidas sobre a confusão fácil entre as esferas pública, privada e íntima. E estas esferas diluem-se ainda mais quando se «lêem» os escritos e descritos das identidades bloguistas. Não se trata, então, de não assumir o que se afirma - eventualmente, trata-se de proteger o «eu» social dos «eus» privados e íntimos, dando-lhes, ao mesmo tempo, um espaço de expressão e de possibilidade voyeur, ver e ser visto.
Ademais, não esqueçamos que ser quase anónimo na blogoesfera, não tem relação directa com o deixar-se ver.
E, por outro lado, o próprio nome pode ser um «nick» de si. :)
Quando cheguei, já havia um 'Viajante no Tempo' e um 'Viajante numa Noite de Inverno'. O nick que sugeris ao vosso interlocutor, é mais antigo que o meu (risos)...
"Que, contudo, vive em eterno espectáculo de confronto comigo, não me toma a tempo inteiro, mesmo diante dos Vossos olhos."
Lembro as personas do teatro grego, e a máscara através da qual a Voz se faz ouvir. Vozes diferentes, de acordo com as máscaras, sempre emitidas pela mesma fonte.
E diria que exagerais com o enjoo do tema da própria pessoa - que ainda que não vos tome a tempo inteiro, é com quem contais o tempo todo, tanto para os confrontos, os duelos, como para os confortos e desconfortos.
E se nem todos somos Misantropos, enjaulados estamos todos.
Beijos, sorrindo, que o tema merece.
At 12:01 PM, Paulo Cunha Porto said…
Senhora:
Só a Caridade no mais Alto Grau por Vós praticada pode imaginar que ainda conto comigo para alguma coisa. Cinjo-me a tentar peneirar - até no sentido de "orgulho estulto" do termo - o menos mau que me descubra, intentando levar Os que estimo a adicionarem os ingredientes que tornem aproveitável o caldo. Uma espécie de sopa de pedra, de que sou a água barrenta, sempre à espera de melhorar, com outros sabores. Não tenho dúvida que é equacionando a protecção a zonas mais privadas de si que optam os Melhores bloguistas providos de "nick". Foi-me a mim possível, porque desprovido de vida familiar e profissional susceptíveis de serem ameaçadas por todo este desvelamento, assinar sem essas considerações. Mas a Vossa imagem de cada nome como "nickname" de si é fantástica: uma especie de "heteronímia a que todos temos direito"...
Como sedutor é o apelo à máscara e às vozes do Teatro Grego. Aqui, cada uma seria o multiplicador estado de alma do dia, não?
É mais do que compreensível o encanto que o estatuto de «viajante» desperta. Seja no Tempo, ou na Noite. Mas ser Viajante sempre e em toda a parte está reservado a Uma Só. E devolvo-Vos o uso da palavra, perguntando, qual mote para um "post", em que medida sentis ter adaptado a Vossa Real Pessoa em função dos lugares percorridos em E&L?
Com a reverência devida a tão Insigne Contributo, mas Incapaz de exceder a que sempre Vos é dirigida e o Beijo a que Tal Visitante incita.
At 12:34 PM, Anonymous said…
A proposito de personas e heterónimos, estou a tentar imaginar o que seria o Fernando Pessoa na Internet.
Olha, não é que me deram uma ideia para esta semana...
At 12:35 PM, Anonymous said…
Avanço, Camaradas!, avanço, para juntar a minha à vossa voz!
Posso atestar que o PCP é, de facto, o que dizeis: Cavalheiro, Culto, Homem-de-Bem.
Estampilha, selo branco, assinatura (por ele) reconhecida.
Algures, vinte e seis do um.
ass. - O Internauta Descerebrado.
At 1:36 PM, Viajante said…
Oh, céus!... :))«qual mote para um post» perguntais em que medida sinto ter adaptado a minha Pessoa em função dos lugares percorridos em E&L? ...
(sois Vós que provocais o «alongar-me» hoje).
Sorrio, tanto da pergunta pela «medida» como da imediata tentação de inversão (espelhada?) da questão... em que medida adaptei os lugares percorridos em E&L a mim mesma? e assim me reajustei ou modifiquei, mesmo que levemente, por isso?
Que "senhor desafio" nesta passagem de uso da palavra -
embora eu «avise» por lá, que se trata de fragmentos, que nem juntos e ligados deixam de ser fragmentares :)
Post seja por lá, e comentário por aqui.
Entendo os diálogos (comigo, com os outros) como oportunidade e ganho. Dia-logar é mesmo travessia pela palavra e pela ideia - em vários momentos e fases. Porquanto ao procurar as palavras e as imagens para expressar, é a mim que expresso. Polédrica. E quando penso, vou "mudando" - seja em aprofundar, em sedimentar ou em ampliar.
Quando os visitantes comentam, enriquecem a travessia. E integro, enquanto perspectiva (concorde ou discorde, atento ao que é "dito", procuro compreender o "dito").
A liberdade e a autenticidade ajudam ou suportam um re-equacionar e, como em outras travessias, cada um vai «ajustando» a sua posição, de onde vê o mundo e as coisas, e re-dimensionando (muito, pouco, quase nada, mas sempre algo) a Visão da Procura que faz e da imagem de si.
Escrevo como falando e falo escrevendo, como agora. Nem releio, muitas vezes - quase nunca :) - e tenho os E&L como um sítio meu, com o sentido que a propriedade confere e a livre expressão instaura :)
Reconheço a matriz de continuidade nas "séries", nos "flashs" e nas "metáforas". E igualmente as fracturas e as des-continuidades, dos estados de alma e dos afectos. Mas provavelmente não-muito-bem, por ver demasiado ao perto.
Quem, como Vós, lê no Tempo, poderá melhor ajuizar sobre as diferenças... e passo-vos o uso da palavra, antes que deixe de haver espaço (risos).
Beijos, que um Construtor de Pontes faz sempre falta a Quem é Viajante.
At 1:38 PM, Paulo Cunha Porto said…
Oh, meu Caro Internauta Cerebrado:
Mais uma como essa e fico ainda mais insuportável do que habitualmente.
Agradecidíssimo, do fundo do coração.
At 8:21 PM, Paulo Cunha Porto said…
Meus Caros Alfinetes:
E que belo trabalho têm feito, cheio de cor e alegria. Creio-Vos bem quando dizem que se reinventaram sem a alinação das característicvas próprias e prévias. De alguma forma, esse duplo Vosso que aparece diante de nós dá, com maior liberdade, o que já lá estava. E nunca se surpreenderam com a feição que um "post" tomou e que não fora planeada?
Abraços gratos pela visita e pelo excelente trabalho.
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