Leitura Matinal -244

Deixamo-nos frequentemente vencer pela fraqueza de idolatrarmos a nossa individualidade criada ao ponto de supormos a mais
estreme manifestação dela como imposição necessária e conveniente ao espaço que nos inclui e influência sobre o tempo que há-de vir. Só ao fim de muita pancada, de muita meditação, ou de ambas, chegamos à conclusão eliotiana de que somos, quer no que respeita às vastidões que percorremos, quer no que toca ao reino de Cronos, não peça destacada, em primeira linha, mas,
por muita notoriedade e influência que aparentemos conseguir, nota no meio da composição que Alguém mais Criativo e Melhor concebeu, sendo o estatuto de elemento indispensável à harmonia a nossa maior coroa de glória. É lento o processo que nos dirige para esse estádio superior de compreensão, em que vemos a linha recta do nosso percurso deixar de o ser, integrando-se no pensamento, Fé e acção que nos transcendem, permitindo que a nossa vontade deixe de ser passageira na barca que singra por um tempo, mas, despojando-se do egotismo em que outrora víramos originalidade, passar a ser o navio, lui-même.
De Edgar Carneiro:

ROTEIRO

Como se fora sonho
Antes de ser história;
Como se fosse escrito
No sangue e na memória;

Como estrela que existe
Mas ainda não brilha;
Como se fosse um mapa
Antes de haver a ilha;

Como se o pensamento,
Esse frio doirado,
Fosse o mesmo novelo
Do que já foi pensado,

Assim a nossa vida
Vai desdobrando a vela
Até chegar a ser
A própria caravela.


By the text, incorporo «O Sonho de Constantino», de Piero
Della Francesca e a imagem do grande imaginador de mapas.
Ptolomeu.