O Misantropo Enjaulado

O optimismo é uma preguiça do espírito. E. Herriot

Friday, December 09, 2005

Leitura Matinal -203


Exactamente o inverso do Paralítico que, mantendo a Fé, foi por Cristo curado, é, mais do que concebível, constatável, em seres humanos que um momento terrível deixou imobilizados,
ainda assim a menor das perdas sofridas, uma petrificação espiritual, causa imediata da interior dissolução da humanidade dos circundantes que, de sempre desajeitada forma, vêm, o melhor que podem, exprimir pena, respeito ou afecto, enquanto atribui uma humanização ditada pela dependência aos inanimados meios auxiliares da manutenção da vida. Esta pardificação do presente tem por motor a memória do instante tremendo do desastre, em que Entes que se amou são eternamente patentes na fatal imagem derradeira. Significado a retirar: por muito vivificados que vão, artificialmente, sendo as sobras sem força do que foi um corpo, o espirito já está morto para todos os tempos que ultrapassem o obsessivo instante da catástrofe. Até que essa memória persistente se extinga. E que à morte espiritual para o hoje se substitua a morte total para o sempre, expressando para a generalidade a desistência de qualquer conexão aos factos deste mundo, que já impera. Que a falta de à vontade com que nós lidamos com este tipo de desgraça, o melhor de nós, num certo sentido, possa não ver-se paralisado no que toca ao gesto da Oração e nos permita envidar as preces que ao alcance estejam, no sentido de que o verbo Crer venha a ser uma realidade para os que tanto sofrem e lhes possa transmitir a Vida superadora do negro quadro dado por Sylvia Plath, lusamente disponibilizada, graças a Maria de Lourdes Guimarães em:

O PARALÍTICO

Acontece.Será sempre assim?
O meu espírito é um rochedo,
sem dedos para me segurar, sem voz;
é o meu Deus o pulmão de aço,

que me vem amar que me bombeia
os meus dois
sacos de pó, que oscilam para dentro e para fora,
e, assim, não me permite

recair
enquanto o dia lá fora desliza como uma fita perfurada
a noite traz violetas,
tapeçarias de olhos,

luzes
os serenos e anónimos
conversadores: "Estás bem?"
o peito engomado, inacessível.

Como um ovo morto, estou deitado
intacto
num intacto mundo que não posso tocar;
no branco, tenso

tambor do leito onde adormeço
fotografias visitam-me...
a minha mulher, morta e estendida, com as suas peles de 1920,
a boca cheia de pérolas,

duas raparigas
estendidas como ela, que mormuram "Somos tuas filhas".
As águas paradas
envolvem-me os lábios,

os olhos o nariz e os ouvidos,
um transparente
celofane que não consigo romper.
Apoiada nas minhas costas nuas

sorrio como um buda, todas
as necessidades, e desejos
caindo de mim como anéis
acariciando as suas luzes.

A garra
da magnólia,
embriagada pelo seu aroma,
nada pede à vida.


A pintura é «A Desistência da Memória», de Hermelindo
de Oliveira.

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