Leitura Matinal -182

Quando a distanciação tem origem no cansaço insinuante que
não pode ser vencido pelo repouso, surge a inelutável sensação
de afastamento, também de si, na medida em que a acção e a
atenção, sobrevivendo, passem a ser automatismos sem sequer
as aplicações espirituais da convicção. Já não é a demarcação
triunfante da crítica interna ocultada pela cortesia, que contém
virtudes criativas em quantidade suficiente para estimular
a procura, sem as mediocridades de muitos empenhamentos.
É, sim uma abulia monstruosa, por tão pardacenta, que alastra
e cauteriza a vivacidade e a análise, levedando um desgosto
tépido de tudo, o proprio sujeito incluído, que deixou de ser
observador para passar a ser um vago telespectador que não
escolheu o canal e dormita acordado. Nada vale então a pena,
a não ser que o salve o protesto de um poema.
De Francisco Arcos:

Inevitável como a erva e o musgo às portas
de um lar abandonado, cresce em mim o tédio.
Este sentir cabal de longitudes mortas,
o extenso ao longo dos meus nervos, esse assédio

do que não cabe fora e a alma não comporta,
reduz-me a fulcro, a qualquer coisa de intermédio...
Por isso o meu olhar - proa que as águas corta -
esbarra em tudo na cegueira sem remédio.

Rota calada, passam bandos de cegonhas...
E as minhas mãos falhadas a rasgarem fronhas
de leitos de indiferença e de cansaço hediondo.

De lés a lés (talvez de um para outro lado),
a escutar sons nados e crus, bem perfilado,
sem saber por que velo e por que rondo...