O Misantropo Enjaulado

O optimismo é uma preguiça do espírito. E. Herriot

Wednesday, October 19, 2005

O Troca-Tintas

Vem, em entrevista ao «DN», alguém que sempre me
inspirou a mais profunda das desconfianças, pelos contactos
e interesses que na vida pública representa, repetir a velha
cantilena : «Quem aplaudiu Salazar tem culpas na
descolonização». Este estribilho sem conteúdo real equivaleria
a dizer que o médico que procurou curar um doente - e que até
lhe conseguiu trazer melhoras - tenha sido o culpado da morte
deste, causada por um veneno que os herdeiros lhe ministraram.
Estou à vontade para falar. Nunca fui um entusiasta da
colonização africana por Portugal, quer por entender que a
decadência de um País começa quando exporta população para
fora dos seus limites históricos, quer por não acreditar em
continuidades dignas dos esforços militares percursores, por
parte dos colonos. Grande parte daquela gente não queria
continuar a ser Portugal. Vivia a sonhar com independências
brancas, tendo o Brasil como modelo, confiados em que a
convivência entre as raças afugentasse as condenações
internacionais para os casos de separação, na África do Sul e na
Rodésia. Note-se que foi Delgado quem ganhou as eleições em
Angola e Moçambique.
Mas o entrevistado tem responsabilidades adicionais. Os seus avós
ideológicos do Partido Republicano Português permitiram que
adeptos seus matassem um Rei e um Príncipe e dessem cabo do
que restava da forma de governo multissecular da Nação, em nome
do ultra-colonialismo africano e do ódio à Inglaterra que, no dizer
deles, o quereria limitar. Passados 60 anos estão de armas e
bagagens no lado contrário, a cantar as loas aos Soviéticos e aos
Norte-Americanos de Kennedy. É o pior que essa Esquerda tem:
quer, sempre, sem escrúpulo ou coerência, encontrar um inimigo
interno contra o qual possa ir conspirando. Importa referir
excepções, como Hernani Cidade e Armando Cortesão, que não
se deixaram enrodilhar nesses trapos.
E o ex-colono moçambicano diz ainda que «não há memória de um
país que dissesse "eu não quero ser independente, quero ficar ligado
ao país colonizador». Do que não há memória é de alguém lhos ter
perguntado. Os "movimentos de libertação" tinham feito da
independência o objectivo irrecusável, de tal forma que sempre
rejeitaram acatar o resultado de referendo que desse um voto
contrário. E do que há memória é, poucos meses depois da retirada
lusa, os sobas angolanos se dirigirem, em representação das suas
aldeias, creio que ainda a Agostinho Neto, com a pergunta:
Camarada Presidente, quando é que acaba a independência?».

Esclarecimento às 20.02H: O Manuel Azinhal, comentando o que aqui
escrevi, considera o epíteto com que brindei o personagem focado
como demasiado brando para o que ele merece. Para que não restem
dúvidas, reconheço, de boa vontade, que usei um eufenismo.

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