Leitura de Sempre -1...
...que pode valer como "Leitura Matinal -152:
Tenho publicado ou referido alguns poemas da minha vida,
como os de Eliot, de Yeats e, poderia acrescentar, apesar
de a escolha não incidir sobre o que foi publicado, de Rilke.
O meu critério geral tem sido dar à Vossa leitura poemas que
coincidam com o meu estado de espírito do dia. Hoje não será
assim; num momento cheio de interrogações, quero deixar o
poema da minha vida. Por versar a Amizade, por incidir sobre
a superação, no percurso de que a dor foi um obstáculo e um
estímulo, aqui fica aquele que considero, sobre todos, como o mais
belo poema português do Século XX, esse programa para a Jornada
Vital, a partir do agigantamento interno de cada Ser pelo
momento em que compartilha com Outro o que de mais autêntico
tem.
De Camilo Pessanha,
CAMINHO
I
TENHO sonhos cruéis: n´alma doente
Sinto um vago receio prematuro.
Vou a medo na aresta do futuro
Embebido em saudades do presente...
Saudades desta dor que em vão procuro
Do peito afugentar bem rudemente,
Devendo, ao desmaiar sobre o poente,
Cobrir-me o coração dum véu escuro!...
Porque a dor, essa falta d´harmonia,
Toda a luz desgrenhada que alumia
As almas doidamente, o céu d´agora,
Sem ela o coração é quase nada:
Um sol onde expirasse a madrugada,
Porque é só madrugada quando chora.
II
ENCONTRASTE-ME um dia no caminho
Em procura de quê, nem eu o sei.
- Bom dia, companheiro, te saudei,
Que a jornada é maior indo sozinho.
É longe, é muito longe, há muito espinho!
Paraste a repousar, eu descansei...
Na venda em que poisaste, onde poisei,
Bebemos cada um do mesmo vinho.
É no monte escabroso, solitário.
Corta os pés como a rocha dum calvário,
E queima como a areia!... Foi no entanto
Que chorámos a dor de cada um...
E o vinho em que choraste era comum:
Tivemos que beber do mesmo pranto.
III
FEZ-NOS bem, muito bem, esta demora:
Enrijou a coragem fatigada...
Eis os nossos bordões da caminhada,
Vai já rompendo o sol: vamos embora.
Este vinho, mais virgem do que a aurora,
Tão virgem não o temos na jornada...
Enchamos as cabaças: pela estrada,
Daqui inda este néctar avigora!...
Cada um por seu lado!... Eu vou sozinho,
Eu quero arrostar só todo o caminho,
Eu posso resistir à grande calma!...
Deixai-me chorar mais e beber mais,
Perseguir doidamente os meus ideais,
E ter fé e sonhar - encher a alma.
Tenho publicado ou referido alguns poemas da minha vida,
como os de Eliot, de Yeats e, poderia acrescentar, apesar
de a escolha não incidir sobre o que foi publicado, de Rilke.
O meu critério geral tem sido dar à Vossa leitura poemas que
coincidam com o meu estado de espírito do dia. Hoje não será
assim; num momento cheio de interrogações, quero deixar o
poema da minha vida. Por versar a Amizade, por incidir sobre
a superação, no percurso de que a dor foi um obstáculo e um
estímulo, aqui fica aquele que considero, sobre todos, como o mais
belo poema português do Século XX, esse programa para a Jornada
Vital, a partir do agigantamento interno de cada Ser pelo
momento em que compartilha com Outro o que de mais autêntico
tem.
De Camilo Pessanha,
CAMINHO
I
TENHO sonhos cruéis: n´alma doente
Sinto um vago receio prematuro.
Vou a medo na aresta do futuro
Embebido em saudades do presente...
Saudades desta dor que em vão procuro
Do peito afugentar bem rudemente,
Devendo, ao desmaiar sobre o poente,
Cobrir-me o coração dum véu escuro!...
Porque a dor, essa falta d´harmonia,
Toda a luz desgrenhada que alumia
As almas doidamente, o céu d´agora,
Sem ela o coração é quase nada:
Um sol onde expirasse a madrugada,
Porque é só madrugada quando chora.
II
ENCONTRASTE-ME um dia no caminho
Em procura de quê, nem eu o sei.
- Bom dia, companheiro, te saudei,
Que a jornada é maior indo sozinho.
É longe, é muito longe, há muito espinho!
Paraste a repousar, eu descansei...
Na venda em que poisaste, onde poisei,
Bebemos cada um do mesmo vinho.
É no monte escabroso, solitário.
Corta os pés como a rocha dum calvário,
E queima como a areia!... Foi no entanto
Que chorámos a dor de cada um...
E o vinho em que choraste era comum:
Tivemos que beber do mesmo pranto.
III
FEZ-NOS bem, muito bem, esta demora:
Enrijou a coragem fatigada...
Eis os nossos bordões da caminhada,
Vai já rompendo o sol: vamos embora.
Este vinho, mais virgem do que a aurora,
Tão virgem não o temos na jornada...
Enchamos as cabaças: pela estrada,
Daqui inda este néctar avigora!...
Cada um por seu lado!... Eu vou sozinho,
Eu quero arrostar só todo o caminho,
Eu posso resistir à grande calma!...
Deixai-me chorar mais e beber mais,
Perseguir doidamente os meus ideais,
E ter fé e sonhar - encher a alma.
1 Comments:
At 4:36 PM, Anonymous said…
Tantas palavras que estão escritas no silêncio deste poema...lindo!
bj, Amigo.
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