O Misantropo Enjaulado

O optimismo é uma preguiça do espírito. E. Herriot

Tuesday, October 18, 2005

Leitura de Sempre -1...

...que pode valer como "Leitura Matinal -152:
Tenho publicado ou referido alguns poemas da minha vida,
como os de Eliot, de Yeats e, poderia acrescentar, apesar
de a escolha não incidir sobre o que foi publicado, de Rilke.
O meu critério geral tem sido dar à Vossa leitura poemas que
coincidam com o meu estado de espírito do dia. Hoje não será
assim; num momento cheio de interrogações, quero deixar o
poema da minha vida. Por versar a Amizade, por incidir sobre
a superação, no percurso de que a dor foi um obstáculo e um
estímulo, aqui fica aquele que considero, sobre todos, como o mais
belo poema português do Século XX, esse programa para a Jornada
Vital, a partir do agigantamento interno de cada Ser pelo
momento em que compartilha com Outro o que de mais autêntico
tem.
De Camilo Pessanha,

CAMINHO

I

TENHO sonhos cruéis: n´alma doente
Sinto um vago receio prematuro.
Vou a medo na aresta do futuro
Embebido em saudades do presente...

Saudades desta dor que em vão procuro
Do peito afugentar bem rudemente,
Devendo, ao desmaiar sobre o poente,
Cobrir-me o coração dum véu escuro!...

Porque a dor, essa falta d´harmonia,
Toda a luz desgrenhada que alumia
As almas doidamente, o céu d´agora,

Sem ela o coração é quase nada:
Um sol onde expirasse a madrugada,
Porque é só madrugada quando chora.

II

ENCONTRASTE-ME um dia no caminho
Em procura de quê, nem eu o sei.
- Bom dia, companheiro, te saudei,
Que a jornada é maior indo sozinho.

É longe, é muito longe, há muito espinho!
Paraste a repousar, eu descansei...
Na venda em que poisaste, onde poisei,
Bebemos cada um do mesmo vinho.

É no monte escabroso, solitário.
Corta os pés como a rocha dum calvário,
E queima como a areia!... Foi no entanto

Que chorámos a dor de cada um...
E o vinho em que choraste era comum:
Tivemos que beber do mesmo pranto.

III

FEZ-NOS bem, muito bem, esta demora:
Enrijou a coragem fatigada...
Eis os nossos bordões da caminhada,
Vai já rompendo o sol: vamos embora.

Este vinho, mais virgem do que a aurora,
Tão virgem não o temos na jornada...
Enchamos as cabaças: pela estrada,
Daqui inda este néctar avigora!...

Cada um por seu lado!... Eu vou sozinho,
Eu quero arrostar só todo o caminho,
Eu posso resistir à grande calma!...

Deixai-me chorar mais e beber mais,
Perseguir doidamente os meus ideais,
E ter fé e sonhar - encher a alma.

1 Comments:

  • At 4:36 PM, Anonymous Anonymous said…

    Tantas palavras que estão escritas no silêncio deste poema...lindo!
    bj, Amigo.

     

Post a Comment

<< Home

 
">
BuyCheap
      Viagra Online From An Online pharmacy
Viagra