O Marco
Chegou este blogue ao milésimo post. Como a diarística implica,
no meu entender, exposição do autor, dos gostos que cultiva,
convocação dos Amigos que lhe são caros, enfim, como se diz
agora, dos afectos, bem como das irreconciliáveis aversões, reservo
este momento para vos falar de tema de idolatria para este pobre
escrevinhador:
OS GATOS
Quando quero meter-me com as minhas Amigas mais chegadas,
costumo lembrar «o muito que gosto de animais irracionais, Gatos,
Mulheres e Cães, por esta ordem». A Cê, que já comentou neste
blogue, depois de ouvir a habitual e repetitiva boutade, respondeu
com fina ironia, agradecendo por estar incluída na Espécie que vinha
logo imediatamente atrás dos felinos.
Numa outra vez, falava com o Caríssimo Jorge Leandro Rosa e com a
Mulher, a Patrícia e chegávamos, eu e Ela, à conclusão de que nós os
dois e a Mãe do Jorge adorávamos os bichanos, mas que esse era um
sentimento que ele não partilhava. Ainda hoje recordo a cara muito
séria com que ele contestou: «Eu gosto muito de gatos. Não tenho é
culpa de viver rodeado de gatófilos extremistas, comparativamente
com os quais pareço não gostar muito».
«Gatófilo extremista»... eis um cognome que me iria bem. Paulo P, o
gatófilo extremista!
Mas sei, por o ler em A. H. de Oliveira Marques, de um escrito de J.
Leite de Vasconcelos, em que ele relata a opinião de muito boa gente,
segundo a qual gostar de gatos é indício de respeitar as convicções
íntimas dos amigos. E, mais diz, numa frase que, desde já, reenvio para
o Américo de Sousa: «O gato, efectivamente, não se deixa dominar,
deixa-se apenas Persuadir. Quem o souber persuadir, obtém dele o que
quiser». É a retórica dos gestos, na impossibilidade da troca das palavras.
Muita da minha afeição pelos Antigos Egípcios vem do culto pela Deusa
Bastet, ou Bast, figurada por Mulher com cabeça de gato e de que os
quadrúpedes bigodudos eram tidos por representantes. De notar que ela
era, a um tempo, a protectora da Família e a divindade do prazer sensual.
E um Rei inimigo, creio que das paragens da Pérsia, sabendo como eles
eram, mandou reunir toda a gataria que conseguiu e soltá-la de encontro
a uma cidade que cercava. Os súbditos do Faraó preferiram abandonar a
povoação a fazer mal aos bichos. Boa gente!
Também no Oriente, no antigo reino do Sião, os felinos eram utilizados
como guardas das jóias reais, o que evidencia a coerência de pôr um
tesouro a guardar outro.
Na Idade Média Europeia eram os nossos amigos de quatro patas o serviço
de higiene pública que dava esperança às populações, já que inimigos
figadais da rataria difusora da peste.
No Islão há que contrapor o Grande Exemplo de Maomé, que preferiu
rasgar a veste a incomodar um bichinho que sobre ela dormia, a alguns dos
seus mais fanáticos seguidores que pretendem ver nos gatitos o habitáculo
dos temidos e demoníacos Jinns.
Passarei por cima da maldade humana com os animais, por puro e reles
divertimento, bem como da associação dos gatinhos pretos à bruxaria e ao
Diabo. Esquecer é o melhor que posso fazer por essa cambada.
Chegados ao séc.XVII surgiu um ditado, em Portugal que dizia «casa em
que não há cão nem gato é casa de velhaco», o que demonstra a atenção
à reveladora incapacidade de amar a bicharada como base de
extrapolação para a ética humana, tanto como à abstenção de optar.
Durante o período setecentista João Jorge de Carvalho transpõe para os
gatos as diferenças de carácter e de extracção que encontra nos homens,
identificando os «honestos e aristocratas», opostos aos «rafeiros e
ratoneiros».
Já na contemporaneidade, Fialho simbolizou o espírito crítico de que fez
programa pessoal, ao dá-los como nome à sua obra prima.
E jornalistas com tema esgotado concluiram, por sondagens duvidosas,
que, nas últimas eleições presidenciais americanas, os amadores de gatos
votavam, sobretudo, em John Kerry, enquanto que os amadores de cães
preferiam G. W. Bush.
Mas o mais interessante de tudo é o sonho tido por aquele que
se veio a tornar o Bem-Amado Papa João Paulo II. Confidenciou
esse Grande Vulto a Anton Gronowicz que, em 1969, ainda Cardeal
Karol Wojtila, sonhara com uma gata que procurava abrigo para os seus
seis filhotes e, sucessivamente, ia sendo espantada de vários edifícios,
inclusivé duma igreja católica, só tendo encontrado abrigo, comida e
carinho num templo anglicano. Conhecendo a devoção do futuro Pontífice
pelo Ensinamento de São Francisco de Assis e a importância que dava a
esse episódio onírico, muitos querem aí radicar o seu empenho no diálogo
ecuménico. Não sei; mas o Mundo também mudou com um sonho, o de
Constantino.
E com este bosquejo espero ter feito com que os gatos ganhassem novos
adeptos. Bem haja Aquele que conseguiu ler, até ao fim, este arrazoado.
É da mais elementar justiça dedicar este texto à minha Amiga Lúcia
Lopes, cujo amor aos gatos é insuperável.
no meu entender, exposição do autor, dos gostos que cultiva,
convocação dos Amigos que lhe são caros, enfim, como se diz
agora, dos afectos, bem como das irreconciliáveis aversões, reservo
este momento para vos falar de tema de idolatria para este pobre
escrevinhador:
OS GATOS
Quando quero meter-me com as minhas Amigas mais chegadas,
costumo lembrar «o muito que gosto de animais irracionais, Gatos,
Mulheres e Cães, por esta ordem». A Cê, que já comentou neste
blogue, depois de ouvir a habitual e repetitiva boutade, respondeu
com fina ironia, agradecendo por estar incluída na Espécie que vinha
logo imediatamente atrás dos felinos.
Numa outra vez, falava com o Caríssimo Jorge Leandro Rosa e com a
Mulher, a Patrícia e chegávamos, eu e Ela, à conclusão de que nós os
dois e a Mãe do Jorge adorávamos os bichanos, mas que esse era um
sentimento que ele não partilhava. Ainda hoje recordo a cara muito
séria com que ele contestou: «Eu gosto muito de gatos. Não tenho é
culpa de viver rodeado de gatófilos extremistas, comparativamente
com os quais pareço não gostar muito».
«Gatófilo extremista»... eis um cognome que me iria bem. Paulo P, o
gatófilo extremista!
Mas sei, por o ler em A. H. de Oliveira Marques, de um escrito de J.
Leite de Vasconcelos, em que ele relata a opinião de muito boa gente,
segundo a qual gostar de gatos é indício de respeitar as convicções
íntimas dos amigos. E, mais diz, numa frase que, desde já, reenvio para
o Américo de Sousa: «O gato, efectivamente, não se deixa dominar,
deixa-se apenas Persuadir. Quem o souber persuadir, obtém dele o que
quiser». É a retórica dos gestos, na impossibilidade da troca das palavras.
Muita da minha afeição pelos Antigos Egípcios vem do culto pela Deusa
Bastet, ou Bast, figurada por Mulher com cabeça de gato e de que os
quadrúpedes bigodudos eram tidos por representantes. De notar que ela
era, a um tempo, a protectora da Família e a divindade do prazer sensual.
E um Rei inimigo, creio que das paragens da Pérsia, sabendo como eles
eram, mandou reunir toda a gataria que conseguiu e soltá-la de encontro
a uma cidade que cercava. Os súbditos do Faraó preferiram abandonar a
povoação a fazer mal aos bichos. Boa gente!
Também no Oriente, no antigo reino do Sião, os felinos eram utilizados
como guardas das jóias reais, o que evidencia a coerência de pôr um
tesouro a guardar outro.
Na Idade Média Europeia eram os nossos amigos de quatro patas o serviço
de higiene pública que dava esperança às populações, já que inimigos
figadais da rataria difusora da peste.
No Islão há que contrapor o Grande Exemplo de Maomé, que preferiu
rasgar a veste a incomodar um bichinho que sobre ela dormia, a alguns dos
seus mais fanáticos seguidores que pretendem ver nos gatitos o habitáculo
dos temidos e demoníacos Jinns.
Passarei por cima da maldade humana com os animais, por puro e reles
divertimento, bem como da associação dos gatinhos pretos à bruxaria e ao
Diabo. Esquecer é o melhor que posso fazer por essa cambada.
Chegados ao séc.XVII surgiu um ditado, em Portugal que dizia «casa em
que não há cão nem gato é casa de velhaco», o que demonstra a atenção
à reveladora incapacidade de amar a bicharada como base de
extrapolação para a ética humana, tanto como à abstenção de optar.
Durante o período setecentista João Jorge de Carvalho transpõe para os
gatos as diferenças de carácter e de extracção que encontra nos homens,
identificando os «honestos e aristocratas», opostos aos «rafeiros e
ratoneiros».
Já na contemporaneidade, Fialho simbolizou o espírito crítico de que fez
programa pessoal, ao dá-los como nome à sua obra prima.
E jornalistas com tema esgotado concluiram, por sondagens duvidosas,
que, nas últimas eleições presidenciais americanas, os amadores de gatos
votavam, sobretudo, em John Kerry, enquanto que os amadores de cães
preferiam G. W. Bush.
Mas o mais interessante de tudo é o sonho tido por aquele que
se veio a tornar o Bem-Amado Papa João Paulo II. Confidenciou
esse Grande Vulto a Anton Gronowicz que, em 1969, ainda Cardeal
Karol Wojtila, sonhara com uma gata que procurava abrigo para os seus
seis filhotes e, sucessivamente, ia sendo espantada de vários edifícios,
inclusivé duma igreja católica, só tendo encontrado abrigo, comida e
carinho num templo anglicano. Conhecendo a devoção do futuro Pontífice
pelo Ensinamento de São Francisco de Assis e a importância que dava a
esse episódio onírico, muitos querem aí radicar o seu empenho no diálogo
ecuménico. Não sei; mas o Mundo também mudou com um sonho, o de
Constantino.
E com este bosquejo espero ter feito com que os gatos ganhassem novos
adeptos. Bem haja Aquele que conseguiu ler, até ao fim, este arrazoado.
É da mais elementar justiça dedicar este texto à minha Amiga Lúcia
Lopes, cujo amor aos gatos é insuperável.
2 Comments:
At 2:37 AM, Anonymous said…
Parabéns pelo Marco, convenientemente assinalado por (mais) um notável, belo e inspirado texto.
At 6:39 PM, Anonymous said…
Consegui chegar ao fim e no fim fui contemplado pelo "bem haja". Valeu a pena. O seu blogue, não precisa da minha opiniâo, é insuperável!
Parabéns.
JSM (Interregno)
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