O Misantropo Enjaulado

O optimismo é uma preguiça do espírito. E. Herriot

Tuesday, October 04, 2005

Leitura Matinal -138

Quando se instala, uma corrente estética, ou política, ou
uma visão da vida geracional, que suba assente no desejo
de subversão, torna-se uma verdadeira praga de gafanhotos,
obecada em não deixar liberdade alguma à excepção e à reflexão,
porque incompatíveis com as solidariedades fáceis, automáticas e
difundidas. À reflexão reserva-se o exílio que partilha com
escolhas mais isoladas - o convívio seleccionado, a leitura e
a escrita. Este lado de excentricidade e o desdém pelos gostos
e condutas espalhados concitam a aversão das multidões ou da
vulgaridade aprovadora delas que, sem o identificarem com
nitidez, porque disso são incapazes, pressentem naquela clivagem
de comportamento a única forma subversiva que não toleram: a que
as toma por objecto, sem volta.
Um poema de Rui Knopfli, de que gosto muito:

«CÂNTICO NEGRO»

Cago na juventude e na contestação
e também me cago em Jean-Luc Godard.
Minha alma é um gabinete secreto
e murado à prova de som
e de Mao-Tsé-Tung. Pelas paredes
nem uma só gravura de Lichtenstein
ou Warhol. Nas prateleiras
entre livros bafientos e descoloridos
não encontrareis decerto os nomes
de Marcuse e Cohn-Bendit. Nebulosos
volumes de qualquer filósofo
maldito, vários poetas graves
e solenes, recrutados entre chineses
do período T´ang, isabelinos,
arcaicos, renascentistas, protonotários
- esses abundam. De pop apenas
o saltar da rolha na garrafa
de verdasco. Porque eu teimo,
recuso e não alinho. Sou só.
Não parcialmente, mas rigorosamente
só, anomalia desértica, em plena leiva.
Não entro na forma, não acerto o passo,
não submeto a dureza agreste do que escrevo
ao sabor da maioria. Prefiro as minorias.
De alguns. De poucos. De um só se necessário
for. Tenho esperança, porém; um dia
compreendereis o significado profundo da minha
originalidade: I am really the Underground.

3 Comments:

  • At 9:20 AM, Blogger Flávio Santos said…

    Também gostei, especialmente do "pop" onomatopaico!
    De qualquer modo, creio que, com as reservas feitas pelo autor, não devemos fechar os olhos à cultura que se quer impor às massas, sob risco de a não podermos combater.
    Uma achega "goethiana":
    http://santosdacasa.weblog.com.pt/arquivo/2004/11/a_repugnancia_p.html

     
  • At 12:34 PM, Blogger João Villalobos said…

    Excelente poema. Eu cá gosto da pop mas suponho que, na altura, fosse para ele aquilo que é para nós o rap. Pelo menos para mim.

     
  • At 10:26 AM, Blogger Paulo Cunha Porto said…

    Claro que não, Meu Caro FG Santos; o formato amaldiçoado desta caixa de comentários voltou a comer a parte final da Sua remissão. Era o belo texto do Malaparte?

    Ao João: vai um poemazito sobre o asco "rappesco"?

     

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