Leitura Matinal -107

É certo e sabido que os românticos faziam
gala em se deixarem impregnar pela paisagem
em que se moviam. Nada de espantar se pensarmos
que, seguramente grandioso só no seu próprio juízo,
o Autor, nessa pouco límpida escola artística, se
sentiria, possivelmente, transportado aos picos
que gostaria de ver seus, calcorreando a via sacra
de um diálogo amoroso entre "iguais" com a imensidão
da Natureza.
Mas de todos os factores naturais expostos à cobiça
sensual dos humanos nenhum há como a Lua. E quando
Ela, a Suprema Voyeuse se deixa envolver e ele, o
descendente de Adão, faz outro tanto, qualquer
transporte amoroso se metamorfoseia num cativante
ménage à trois, que cancela a vacuidade do que é
breve, com a intensidade da recordação e, pela sempre
possível lunar influência, com a semente da eternidade.
De Vinicius de Moraes,

SONÊTO DE DESPEDIDA

Uma lua no céu apareceu
Cheia e branca; foi quando, emocionada
A mulher a meu lado estremeceu
E se entregou sem que eu dissesse nada.

Larguei-as pela jovem madrugada
Ambas cheias e brancas e sem véu
Perdida uma, a outra abandonada
Uma nua na terra, outra no céu.

Mas não partira delas; a mais louca
Apaixonou-me o pensamento; dei-o
Feliz - eu de amor pouco e vida pouca

Mas que tinha deixado em meu enleio
Um sorriso de carne em sua bôca
Uma gôta de leite no seu seio.