Leitura Matinal -62
Sempre rendi tributo à sacralidade da palavra,
mormente se ela é escrita. Mesmo as «words, words
words» de Shakespeare e todos os lamentos da
falta de consequência, não me movem deste poiso.
Escreveu Camus, numa das «Lettres a un Ami Allemand»:
«Você diz: eu desconfio das palavras. Eu também,
mas ainda desconfio mais de mim». É neste contexto
que me atormenta toda a redução verbal ao mais
utilitário naipe de investimentos, bem como a
evaporação da memória ligada ao que se proferiu.
Valerá para a globalidade da Vida o brado de
angústia soltado por Sophia Mello Breyner Andresen,
a propósito do genérico uso político que conduz
à degradação ou à corrupção do Sentido:
COM FÚRIA E RAIVA
Com fúria e raiva acuso o demagogo
E o seu capitalismo de palavras
Pois é preciso saber que a palavra é sagrada
Que de longe muito longe um povo a trouxe
E nela pôs sua alma confiada
De longe muito longe desde o início
O homem soube de si pela palavra
E nomeou a pedra a flor a água
E tudo emergiu porque ele disse
Com fúria e raiva acuso o demagogo
Que se promove à sombra da palavra
E da palavra faz poder e jogo
E transforma as palavras em moeda
Como se faz com o trigo e com a terra
mormente se ela é escrita. Mesmo as «words, words
words» de Shakespeare e todos os lamentos da
falta de consequência, não me movem deste poiso.
Escreveu Camus, numa das «Lettres a un Ami Allemand»:
«Você diz: eu desconfio das palavras. Eu também,
mas ainda desconfio mais de mim». É neste contexto
que me atormenta toda a redução verbal ao mais
utilitário naipe de investimentos, bem como a
evaporação da memória ligada ao que se proferiu.
Valerá para a globalidade da Vida o brado de
angústia soltado por Sophia Mello Breyner Andresen,
a propósito do genérico uso político que conduz
à degradação ou à corrupção do Sentido:
COM FÚRIA E RAIVA
Com fúria e raiva acuso o demagogo
E o seu capitalismo de palavras
Pois é preciso saber que a palavra é sagrada
Que de longe muito longe um povo a trouxe
E nela pôs sua alma confiada
De longe muito longe desde o início
O homem soube de si pela palavra
E nomeou a pedra a flor a água
E tudo emergiu porque ele disse
Com fúria e raiva acuso o demagogo
Que se promove à sombra da palavra
E da palavra faz poder e jogo
E transforma as palavras em moeda
Como se faz com o trigo e com a terra
10 Comments:
At 10:52 AM, Anonymous said…
Essa do «capitalismo de palavras» é que não engulo... mania esquerdóide de meter o capitalismo em tudo... e estaria a senhora a pensar nalguém do partido dela quando escreveu este poema? É que no PS nunca faltaram pessoas como os que ela caracteriza aqui.
At 10:53 AM, Anonymous said…
Leia-se como «as» que ela caracteriza aqui. Sorry!
At 11:20 AM, Flávio Santos said…
Certeiro o comentário do Eurico de Barros. Acresce que não foi nenhum capitalista que disse: «A mentira é a principal arma do combate bolchevique»!
Esse poema da Sofia está salvo erro num volume onde a poetisa fala com carinho do adolescente que tem um poster do Che Guevara na parede do quarto...
At 5:09 PM, Anonymous said…
Exactamente, já me tinha esquecido dessa «pérola»! Lindo poema, hein? Melhor só os do Geninho de Andrade ao Vasco Louco... olha o maroto, que escrevia uns poemas tão mariquinhas-pé-de-salsa e depois foi incensar o companheiro Vasco!
At 5:59 PM, Paulo Cunha Porto said…
Caríssimos:
Então, então, nada de argumentos "ad hominem", perdoe-se a impropriedade do latinismo quando aplicado a uma Senhora. E o «capitalismo» entendo-o aqui como o mercenarismo e trocatintismo dominantes. As palavras e, "a fortiori", os poemas, encerram um sentido próprio, independentemente da simpatia que vos desperte o Autor.
At 6:11 PM, Flávio Santos said…
Caro Paulo, mas a questão é precisamente aquilo que encerram as palavras e a poetisa quer PRECISAMENTE, a pretexto da denúncia da demagogia, acusar um sistema económico-social (está no seu direito). Como se o "outro" sistema fosse menos atreito a essa praga da demagogia...
Logo podemos discutir melhor esta questão...
At 6:15 PM, Paulo Cunha Porto said…
O.K.
Abraço amigo
At 8:16 PM, Ricardo António Alves said…
Meu caro: que cutucar hilariante na Sophia, se calhar a maior poeta do século último, e de certeza a mais bonita. Cada vez tenho mais consideração pelo Tareco. Grande escolha. O Geninho era rabicho, mas era um bom poeta, talvez não tão grande como o Vasco e a sua louca magnificência. Já reparaste nos líderes de ontem e de hoje? Nos pratos da balança, a poesia ganha outra vez. Um abraço esquerdóide.
P.S. (perdão): quando me refiro à grande escolha, faço-o relativamente ao poema que seleccionaste, entenda-se...
At 2:54 PM, Anonymous said…
O Geninho não era um bom poeta, com o seu lirismo limitado, repetitivo e amaricado.
At 9:50 PM, Ricardo António Alves said…
Mas alguma vez o Geninho poderia ter um lirismo másculo? Claro que se repetia e autocitava. Se era limitado, não sei; o que sei é que ele tinha um sentido apurado da musicalidade das palavras. Mas, como escrevi algures, a prosa era o que eu mais gostava na poesia dele.
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