«Palavra terrível é o non», disse, aproximadamente, Vieira, com o eco que uma citação cinematográfica despoleta. E sê-lo-á hoje? Certamente que sim, na vertente que nega a um ser sem culpa a possibilidade de continuar a viver. Mas não na pergunta capaz de levar portugueses às urnas. Porque perdi recentemente uma Vida Querida tinha-me proposto, mais do que imposto, silêncio de um mês, até dia 12. A urgência de tentar contribuir para salvar outras obriga-me a manifestar-me.
O Professor Marcelo Rebelo de Sousa, querendo estar bem com Deus e com o Diabo, ensaiou a esmiuçada rábula de ser contra o aborto, mas opondo-se igualmente à penalização das autorias dessa prática repugnantíssima. Chamou a isto a «sua heterodoxia do Não». Como mau jurista que me confesso, nem invocarei a lição recebida de Mestre Cavaleiro de Ferreira, definidora de um crime como a conduta correspondente a um tipo legal que, praticada com culpa, vê corresponder-lhe a previsão de uma pena. Não sei que acrobacia permite escapar a esta definição, a qual faz o jogo do Dr. Louçã e se presta às sátiras mais fedorentas. Porém, o que o entendimento não pode reivindicar-se é de heterodoxo, na medida em que tenho visto na esmagadora maioria dos defensores do NÃO a cedência à conversa de não quererem as pobrezinhas das abortadeiras presas. É aqui que tenho de marcar a minha heterodoxia: eu quero vê-las todas atrás das grades, bem como a todos os homens que, em muitos casos, as levam a tal. Serão os meus companheiros de luta melhores Cristãos do que eu. Mas, se é sublime a Mensagem de perdoar ao nosso inimigo, nada na Religiosidade ou nas atribuições de cargos civis obriga ou aconselha a perdoar os inimigos d´Outrem, mormente dos que são mandados a caminho da pia sem que pronunciar se possam sobre se perdoariam ou não.
Acresce que são asquerosos os argumentos dos que querem pactuar com a cobarde e torcinária eliminação:
1- Dizem que «é muito pior trazer crianças a um mundo que lhes não dê amor»; e fazem-me sempre lembrar aqueles agressivos mendigos que tentam coagir à esmola, ameaçando com a afirmação de ser melhor pedir do que roubar. Não demonstram conhecer a alternativa do trabalho, como os filoabortistas não equacionam sequer amar os desgraçados de que projectam desembaraçar-se.
2- Vêm depois dizer que até às dez semanas os nascituros não pensam nem sentem a morte que lhes inflijam. Recordam-me o célebre caso de crueldade contra animais julgado na Alemanha, há anos, de um fedelho que se divertia a assentar lagostins vivos em bicos de fogão acesos, tendo criativos advogados vindo defender que os referidos crustáceos não possuem o sistema nervoso que lhes permita sentir a dor. Seria cómico, se não fosse trágico, ver argumentos da mesma índole justificar o assassínio de vidas humanas. Por esse andar seria possível defender a eliminação dos pró-abortistas - indivíduos que recusam infundamentadamente o estatuto de vida a algo que respira, se alimenta e cresce demonstram ser incapazes de pensar. E os que não se apiedam dos pobres inocentes indefesos revelam-se incapazes de sentir. Logo... mas dou a mão à palmatória, não devemos ser iguais.
3- E, como a desonestidade argumentativa não paga imposto, dizem que querem combater o número de abortos com a legalização dos mesmos, à revelia da constatação de que as legislações mais permissivas fizeram o número de seres sem mácula legalmente retalhados ultrapassar o dos nascimentos, como na Rússia, ou atingir um em cada três concebidos, como nos EUA. Mas claro que o não-alinhamento com os Grandes, «os Senhores do Mundo», aqui se dissolve, inexplicavelmente.
4- Já que a batota é aceitável para quem defende horrores maiores, fazem-se de vestais da economia e acusam os defensores dos que não têm voz de querer favorecer o negócio das IVG´s clandestinas. Prefiro mil vezes que esse sector continue estigmatizado e subreptício, podendo ser sancionado, se para isso houver vontade e competência, à negociata dos estabelecimentos legalizadamente implementados para o efeito, como vem sendo noticiado e perspectivado no tocante às clínicas da morte estrangeiras, empoleiradas na fronteira à espera da luz verde referendária. E não me venham com a conversa dos cuidados de saúde à mulher indigna de tal nome: é bom que o terror imposto ao que no ventre jaz à mercê de quem o gerou sem o ouvir comporte riscos para as proto-criminosas que o querem pôr em marcha. O medo, recaindo sobre pessoas honestas, é coisa de proscrever. Incidindo sobre quem é tentado a prevaricar, é de enaltecer. Se uma só vida fosse salva pelo receio, mereceria todo o agradecimento das mentes e consciências sãs.
5- Por fim, à míngua de argumentação, tentaram desqualificar Alguns Opositores da infâmia que querem instituir, chamando-lhes «nazis». É o argumento-bumerangue, já que os hitlerianos campeões dos abortos eugénico e étnico alinham precisamente pela admissibilidade e conveniência do sanguinário massacre.
A tentativa a que temos direito de imitação da influência da Aspásia ateniense veio lançar o repto de que seja passado um cheque em branco, dizendo que «se deve confiar nas Mulheres Portuguesas», quanto a abortar ou não. O artigo definido prefigura uma outra infracção, a da usurpação de identidade. Confio muitíssimo em imensas Mulheres do meu País. Não aplico um miligrama da minha confiança nas que pensam como a Sr.ª D. Fernanda Câncio. O simples facto de reivindicarem um direito que é a exaltação do egoísmo define-as.
É a queda da máscara daqueles que, por um lado, têm sempre a liberdade na boca, como, pelo outro, dos que nos lábios têm o disco riscado da defesa dos desprotegidos. Quanto aos primeiros, é na sua e na dos que se lhes assemelham que pensam, exclusivamente. Os outros não prezam aquele que não pode; simplesmente procuram acaudilhar quem aparente possibilidades de revoltar-se e protestar. No momento em que a desprotecção atinge os condenados ao silêncio, passam, com armas e bagagens, para o lado dos opressores, porque, estes sim, podem fazer barulho e travar combates políticos que subvertam.
Ao contrário da esmagadora maioria dos meus Correligionários nesta luta, para mim, nem toda a vida humana é sagrada, o que constitui o segundo ponto da minha heterodoxia. O que define, no que me diz respeito, a sua intangibilidade é a ausência de culpa. Para os responsáveis pelos actos mais desumanos aceitaria bem a morte como pena. Nunca, porém, a inflicção dela a quem não fez mal a uma mosca. Julgo que ninguém, salvo os Grandes Santos dos resgates dolorosíssimos correspondenntes aos mais paroxísticos dos arrependimentos, merece segunda oportunidade. TODOS, NO ENTANTO, MERECEM UMA.
Por isso concluo que, na resposta à questão ridiculamente posta a votos não é terrível a negativa, bem pelo contrário, dado que neutraliza uma outra que o é. Dessa que serve o Bem, em lusitana língua, conhecemos o avesso e o direito.
Que coisa sublime poderá ser um NÃO!
Orgulho-me de que este post haja sido também pubicado no blogue Pela Vida, soezmente atacado que foi, nestes meus dias de recolhimento.