Crepúsculo do Ídolo
18 de Junho, dia de celebrar Waterloo. Nela caiu o sonho grandiloquente do General Bonaparte, a ilustração da megalomania. Se a maior parte dos loucos pretende ser Napoleão, este militar corso padecia de igual mania das grandezas, ao julgar-se Júlio César e Augusto reunidos no mesmo corpo. A culpa não foi só dele. A inefável Revolução, ao legitimar-se pelo modelo latino da sucessão da República à Monarquia, estava a pedi-las, bastando que surgisse um triunfador militar que lhe completasse o ciclo com o Imperio. Tudo somado, a sua acção deu o seguimento à horrenda máquina trituradora dos revolucionários, destruindo as bases da sociedade tradicional por codificações legislativas que nos mergulharam na desastrosa contemporaneidade.
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Pessoalmente era de uma insuficiência moral atroz. Capaz de baixezas como a do rapto e execução do Duque de Enghien, estabelecendo a ameaça de um novo Terror para se coroar; na vida particular, de possuir Mulheres desmaiadas; de distribuir títulos a familiares e amigos, como as piores democracias fazem às condecorações, nos ridicularizados hissopes, procurando desesperadamente a legitimação do Tempo pelo enlace com uma Habsburgo. Militarmente dotado de génio capaz de "vitórias impossíveis", o que ainda lhe faz ter historiografia simpática num país melindradíssimo com a sua fraqueza presente, carecia contudo da frieza e realismo das avaliações continuadas que lhe permitissem evitar o absoluto desastre da Campanha da Rússia.
Por isso, naquele campo Belga onde encontrou um outro extraordinário Cabo de Guerra que também viria a ser governante, mas que perseverou sempre em servir o seu Rei e não em substituí-lo, o destino estava marcado, por cem dias que lhe voltassem a dar esperanças. Desgraçadamente, a Restauração que se seguiu foi meramente dinástica e não político-social, o que, igualmente, lhe traçava o falhanço.
A imagem do fim de um tirano é «Napoleão após a Batalha de Waterloo», de François Flameng.
12 Comments:
At 12:21 PM, António Viriato said…
Caro Amigo,
Agradeço a msg de conforto deixada no meu «Alma Lusíada», a respeito da recente perda irreparável de um ente muito querido : meu Pai. Sem nos conhecermos, estabelecemos laços, neste meio espantoso da blogosfera. Já tomei nota desta sua tribuna e aqui virei, de novo, para apreciar e comentar alguns textos que toquem a minha sensibilidade, como faço noutros locais, procurando, no entanto, sempre respeitar as opiniões que comento, sem deixar de exprimir o meu pensamento, num exercício, por vezes difícil, de equilíbrio ético. Mesmo quando discordamos uns dos outros, devemos manter certa ética convivencial. Pelo meu lado, tento fazê-lo. Um abraço.
At 12:40 PM, Anonymous said…
Teve um fim mais apropriado do que Hitler: enquanto este levou a loucura até ao fim, dando um tiro na cabeça, Napoleão, cobardemente, permitiu o achincalhamento de lhe encherem o bucho, paulatinamente, como bem merecia, com arsénio.
At 1:41 PM, Paulo Cunha Porto said…
Meu Caro António Viriato:
A blogosfera serve para isso mesmo, para a troca de ideias entre pessoas que, não sendo, felizmente, iguais, fazem desse intercâmbio um meio de aumentar a extensão dos seus horizontes, independentemente das discordâncias pontuais que naturalmente persistam. No caso do comentário que deixei na «Alma Lusíada», sensibilizou-me não só a tristeza da Situação que O aflige, como a forma superior como a abordou. Pessoas Desta Qualidade serão sempre recebidas aqui de braços abertos.
Caro Anónimo:
com efeito, embora não definitivamente provado, impendem graves suspeitas sobre o envenenamento gradual em Santa Helena, às ordens do Governador Britânico. Quanto a Hitler, subscrevo, embora, segundo os testemunhos da sua entourage sobrevivente, ele só se haja resolvido a tal, depois de ver Mussolini & Cª suspensos pelos pés na praça milanesa. Mesmo um Autor que lhe era hostil, como E. Junger, diz, nos «DIÁRIOS», que, para a maioria dos Alemães, mesmo o que o odiavam, foi um alívio não o ver cair nas mãos dos Aliados.
Abraços a Ambos.
At 2:06 PM, Flávio Santos said…
Um assunto normalmente pouco abordado quando se trata de Napoleão é a chamada reorganização administrativa a que procedeu. O que é certo é que a França se tornou um país de burocratas com uma máquina estatal de longos e vários tentáculos e a mentalidade estatista ainda hoje corrói aquele país, a começar pela juventude.
Quanto ao excelente postal, de referir que o corso, tal como Hitler, dizimou uma geração inteira nos campos de batalha por sonhos delirantes e criminosos de expansão territorial.
At 2:34 PM, Paulo Cunha Porto said…
É bem verdade, Caríssimo. Por isso insisto: a megalomania estava presente no modelo, não só nos imitadores. E é incrível que muitos políticos e historiadores franceses contemporâneos, sempre com a República na boca, entrem em êxtase quando se aborda a figura. Claro que ele era filho dessa mãe, mas mesmo assim...
At 3:53 PM, Anonymous said…
Caro Paulo;
E cá está a ironia da História.
A Europa tradicional, dos Reinos e de todos os povos que desejavam a Paz; a agradecer à Maçonaria; a dois maçons: Wellington e Blücher.
O que se prova que a história não é tanto aquilo que nó pensamos, por vezes. O nosso país bem sofreu com este sangue derramado com e esta instabilidade europeia.
Caro Paulo; as minhas desculpas por mais este comentário fora do contexto:
Sobre o "Post" abaixo da Selecção Portuguesa:
Já vi que para alguns o Brasil, ou melhor, os brasileiros (por exemplo) podem por um simples MÊS (Um simples e só mês) de 4 em 4 anos(apenas de 4 em 4 Anos, sim) caír em alienação futebolística, num patriotismo bacoco da bola; que se calhar (Para estes críticos) não possuem para as questões sérias e nacionais durante os longos 4 anos(?); o que eu duvido, porque um patriotismo festivo, - das glórias festivas, que vêm já das antigas Cidades- Estado da Grécia(que chegavam a parar as guerras); não invalida o outro patriotismo, mais sério, e da vida de todos os dias.
Mas sim, os brasileiros(e outros povos) podem encher as ruas de todos os Estados(e cidades) do seu país com panos verdes e amarelos; o Presidente do Brasil pode falar em directo com a selecção para todo o país. O Presidente do Rio Grande do Sul pode fazer o mesmo com o "seu" Ronaldinho - também pela TV. Todos podem viver um pouco isto num simples mês de 4 em 4 anos, em todas as nações(até aquelas que não estão presentes, e que param a guerra civil em que vivem diariamente). Até Bush deseja sorte à sua selecção.
Para algumas "elítes", só aos portugueses estes simple mês de 4 em 4 anos estaria vedado(e quando finalmente lá conseguiram chegar). Tudo lhes é proíbido. As bandeiras à janela, a envolvência, tudo.
Mas para sua frustração, o povo, os emigrantes, todos em geral - já ninguém lhes obedece; já não são "senhores" e os "patrões" do povo. Ainda bem. Venham novas elítes; que o país bem precisa. Não contra o povo, mas para o orientar, para o educar; sem paternalismos serodíos.
Quero bandeiras à janela sim, bem populares, como se isto fosse um "Brasil". Nada disto invalida a atenção que temos com vida que continua.
O Prof.António de Oliveira (não sei como reagiria)mas se cá estivesse; acredito que era algo que não estaria no alvo das suas críticas. Só não se produzia tantas bandeiras em 1966.
Um Abraço
At 7:20 PM, Paulo Cunha Porto said…
Meu Caro Pedro Rodrigues:
No caso prussiano não sei, mas em Inglaterra, como sabe, a Maqçonaria tem um significado histórico muito diferente do dos países latinos, integrando o próprio Rei, ao menos enquanto Príncipe de Gales...
Também a mim me faz espécie esta tentativa de acabar com a festa das pessoas, ou de discipliná-la. Claro que também existe a outra pressão, de trazer à festa quem nela não quer entrar, mas esta costuma revestir as cores mais simpáticas e tímidas do "enturmanço", em vez da "snob" condenação altaneira. Cada qual tem inteira liberdade de exultar com o campeonato, ou de não lhe ligar meia. E assim é que deve ser.
Quanto ao António, julgo-o pouco "boleiro" e se alguma simpatia tinha nesse campo era pela Académica. Mas alguma vez proibiu as pessoas de delirar com os fulgores do Benfica, ou da Selecção, na década de 1960´s? É o proíbes. Ao ponto de os marxistas mais espevitados de 1974-1975 até terem posto a circular que ele alienava o povo com a bola. Ainda no outro dia uma sobrevivente desse tempo me disse, muito a sério, que «o Salazar, quando tinha de tomar uma medida difícil marcava um jogo de futebol»! Não é linda? Salazar a fazer calendários da bola! E ficou furiosa quando eu respondi, com algum cinismo, reconheço, «Ah, ele fazia isso? Não sabia. Ora então aí está uma coisa em que não se mudou nada!». Se os olhos matassem, este seu amigo não estaria aqui...
Abraço.
At 8:44 PM, Anonymous said…
Meu caro Paulo,
Com certeza. No que à Maçonaria diz respeito, reconheço que a tradição britânica é diferente da continental.
Quanto ao general Prussiano; baseio-me naquilo no que tenho lido, aliás, na tradição que vêm do próprio Rei Frederico II - também membro de uma ordem, ao que parece (e que protegeu jesuítas expulsos na Europa Católica, curiosamente).
Quanto à questão futebolística: não havia, ao contrário do que eventualmente possa parecer, qualquer intenção irónica da minha parte, conotando os anos 60 com o nosso tempo(no sentido do "ópio" do povo); e estabelecendo um paralelo com o nosso tempo.
Pelo contrário. Critico o exagero despropositado de intelectuais como Pacheco Pereira ou Vasco Graça Moura; ou até alguns comentários que aqui li.
Então só se lembram das carências nacionais(ou pelo menos dão-lhe mais enfase nesta altura) em regime de urgência no mês da bola de 2006?
Admito que no caso dos anos 60 e no tempo do Dr. Salazar em geral, havia a guerra e não só. Mas não vou tão longe. Era como hoje: há aproveitamento. Há uma tentativa de concentrar o entusiasmo colectivo de alguns políticos, eventualmente(E não era o caso do Prof. Salazar, que tinha mais com que se ocupar); nada mais do que isso. Naquela altura de forma bem mais pura sã, aliás; porque hoje, é o mercado e a publicidade quem faz a ditadura; mas o povo ainda tem o puro entusiasmo.
Quanto a cada um; é livre obviamente, para ignorar ou apoiar a selecção.
Um Abraço
At 8:57 PM, Anonymous said…
Caro Misantropo:
Nutro por Napoleão Bonaparte sentimentos antagónicos. Por um lado, tenho um imenso respeito pela sua coragem (tinha-a, e em grande dose, é inegável) e pelo seu génio militar. Por outro, sinto forte aversão por alguns actos de baixeza da parte do corso coroado imperador, como a execução do duque de Enghien, como tão bem refere, ou a invasão de Portugal, a incitamento dos espanhóis, com todo o cortejo de desgraças que as guerras napoleónicas por cá arrastaram.
Contudo, creio que o caso do estupro de Maria Walewska será uma invenção dos inimigos do imperador, principalmente dos ingleses e/ou da Maçonaria britânica (lojas de York). Que ela foi incitada por patriotas polacos a ser amante de Napoleão, com a finalidade deste restaurar o estado polaco (o que ele fez), não há muitas dúvidas. Mas daí à violação da condessa desmaiada, vai um grande salto. E não creio que, sendo assim, ela se mantivesse fiel a Bonaparte quando ele foi exilado em desgraça para a ilha de Elba. Maria Walewska só deixou de o ver quando o imperador foi exilado para Santa Helena.
Se estou errado, por favor corrija-me.
Com todas as reservas óbvias, dê uma olhada ao link abaixo sobre o assunto em questão. É no mínimo curioso:
http://www.napoleonicsociety.com/english/CountessWalewska.htm
Um abraço amigo
At 10:00 PM, Paulo Cunha Porto said…
Ora bem, Caro Pedro Rodrigues, plenamente de acordo, portanto. E é bem verdade que na Prússia, como na Rússia foram os Jesuítas durante algum tempo protegidos pelos Soberanos respectivos, não sendo, inicialmente, suspensos nesses Países.
Meu Caro Carlos Portugal:
estamos sintonizados. A única vertente em que Bonaparte era digno era o comando militar. Mas o táctico, que o estratégico sofreu um rombo com o inexplicável eclipse de avaliação da aventura russa, contra a qual bem avisado foi.
Quanto ao episódio da Condessa, ela tornou-se, de facto amante fidelíssima, numa relação explicável pela psicologia, de subjugação pelo interesse exacerbado do Imperador e da própria instigação(!) do marido e do protogoverno do seu País. Embora em segunda mão, o relato do incidente precursor baseia-se em relatos auto-biográficos da própria. Terá funcionado um mecanismo psíquico de "perdido por um...".
Mas lerei, com todo o gosto, o texto que indica.
At 10:15 PM, Paulo Cunha Porto said…
Meu Caro Carlos Portugal:
Já fui ver os textos disponibilizados pela Sociedade Napoleónica, que contêm apenas extractos das narrativas memorialísticas da Concernida. A fatalidade é dada como tendo tido lugar após vários encontros públicos e intermediações na corte desenvolvida por N. E apenas no segundo encontro íntimo, que no primeiro Duroc teria aparecido para a acompanhar, no regresso a casa, cedo de mais...
Abraço.
At 11:07 AM, Anonymous said…
Muito obrigado pelos esclarecimentos, meu Caro Misantropo.
Abraço
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