Leitura Matinal -317
Constatar que o comportamento dos habitantes das cidades os obriga
a uma distância tal da coexistência com as condições naturais, geradora de temores convencionais e ridículos, leva os que não se sentem bem integrados na multidão indistinta a procurar a imagem da liberdade interior no voo dos pássaros, os quais, na sua migração sazonal, parecem evidenciar o êxito da auto-regulamentação da
vida, atitude oposta à dos humanos, sempre conformados com o que sobre eles é derramado. É irmanado à condição de ave que o poeta desafia as intempérides, tentando libertar a sua alma dos antagonismos e convulsões indignos, por uma emancipação da sua linguagem das conformações que condicionam o vulgo. Vocação enganadora!
Depressa outra visual metáfora se sobrepõe. A que aponta para o êxito das construções inamovíveis em obstaculizar a viagem dos olhares, impondo ao rebelde o retorno ao seu rebanho, donde, por breve instante se vira salvo. Afinal, as gaiolas foram, em primeira linha, feitas para os pássaros e também os que foram objectos da admiração se encontravam prisioneiros das imposições da sua espécie. Há sempre um momento em que se tem de voltar à terra.
De William Cliff:
OS PÁSSAROS
em Bruxelas no inverno quando chove e que devemos
inclinar a cabeça para ver ao longe o céu
entre as torres estender as suas manchas cinzentas
de repente muito alto bandos de grandes pássaros
com longos bateres de asas atravessam o céu
e vão a caminho de Anvers sem nunca desviar
do seu caminho no entanto na rua as pessoas
apressam-se duma loja para outra ignorando
estes pássaros no fundo das nuvens partindo
(as pessoas têm medo de apanhar a chuva
nos seus rostos e é por isso que nunca
os viram para o céu e correm
muito depressa o nariz cravado no chão
de uma loja para a outra e não vêem
os grandes pássaros atravessar as nuvens)
mas eu que sou tão diferente de todas essas pessoas
vi-vos majestosos pássaros passar
no céu do Brabant repleto de chuva e de vento
então a minha alma esmagada pelas suas vergonhosas brigas
um momento partiu ao encontro das vossas potentes asas
e pensou ter-se escapado da velha linguagem que a engaiola
ai! as torres roubaram ao meu olhar a vossa corrida
voltei de novo com os outros e caminhei
ao abrigo da chuva nas lojas sobreaquecidas
onde andávamos à roda enquanto ao longe as vossas asas vão
Sob o efeito de «Voo de Pássaro», de Hans Hofmann,
«Sem Medo do Trovão», de Husson e «A Gaiola», de
Berthe Morisot.
a uma distância tal da coexistência com as condições naturais, geradora de temores convencionais e ridículos, leva os que não se sentem bem integrados na multidão indistinta a procurar a imagem da liberdade interior no voo dos pássaros, os quais, na sua migração sazonal, parecem evidenciar o êxito da auto-regulamentação da
vida, atitude oposta à dos humanos, sempre conformados com o que sobre eles é derramado. É irmanado à condição de ave que o poeta desafia as intempérides, tentando libertar a sua alma dos antagonismos e convulsões indignos, por uma emancipação da sua linguagem das conformações que condicionam o vulgo. Vocação enganadora!
Depressa outra visual metáfora se sobrepõe. A que aponta para o êxito das construções inamovíveis em obstaculizar a viagem dos olhares, impondo ao rebelde o retorno ao seu rebanho, donde, por breve instante se vira salvo. Afinal, as gaiolas foram, em primeira linha, feitas para os pássaros e também os que foram objectos da admiração se encontravam prisioneiros das imposições da sua espécie. Há sempre um momento em que se tem de voltar à terra.
De William Cliff:
OS PÁSSAROS
em Bruxelas no inverno quando chove e que devemos
inclinar a cabeça para ver ao longe o céu
entre as torres estender as suas manchas cinzentas
de repente muito alto bandos de grandes pássaros
com longos bateres de asas atravessam o céu
e vão a caminho de Anvers sem nunca desviar
do seu caminho no entanto na rua as pessoas
apressam-se duma loja para outra ignorando
estes pássaros no fundo das nuvens partindo
(as pessoas têm medo de apanhar a chuva
nos seus rostos e é por isso que nunca
os viram para o céu e correm
muito depressa o nariz cravado no chão
de uma loja para a outra e não vêem
os grandes pássaros atravessar as nuvens)
mas eu que sou tão diferente de todas essas pessoas
vi-vos majestosos pássaros passar
no céu do Brabant repleto de chuva e de vento
então a minha alma esmagada pelas suas vergonhosas brigas
um momento partiu ao encontro das vossas potentes asas
e pensou ter-se escapado da velha linguagem que a engaiola
ai! as torres roubaram ao meu olhar a vossa corrida
voltei de novo com os outros e caminhei
ao abrigo da chuva nas lojas sobreaquecidas
onde andávamos à roda enquanto ao longe as vossas asas vão
Sob o efeito de «Voo de Pássaro», de Hans Hofmann,
«Sem Medo do Trovão», de Husson e «A Gaiola», de
Berthe Morisot.
2 Comments:
At 10:18 AM, Anonymous said…
Bem visto! Nas cidades o horizonte está proibido ao céu; e os pássaros, ou descem à rua ou não daremos por eles. Cumpts.
At 11:14 AM, Paulo Cunha Porto said…
Caríssimo Bic Laranja: com a agravante de as tentativas para os divisar esbarrarem, mais cedo ou mais tarde, com outros obstáculos da lavra humana. Aliás, sobre isto, o Seu magnífico Blogo ten-nos esclarecido amplamente.
Abraço.
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