Limites do Conhecimento 1
Quando algúem, fora da contemporaneidade, atinge dimensão tão excepcional que se torne difícil de igualar, ou até de conceber, provoca, de imediato, a espiral especulativa que oscila entre o negacionismo da existência real e a moldagem da personalidade segundo a fantasia dos estudiosos. É que se nem sempre é mais fácil escrever sobre o que se desconhece, é normalmente menos trabalhoso do que inovar sobre o que há dados firmes. Tirando o tema Bíblico, o assunto que mais tinta fez correr foi o da existência e localização da Atlântida, para cima de 30.000 títulos. Logo a seguir vêm Homero, as questões da origem da linguagem e criação de uma língua universal e... William Shakespeare.
A recusa da realidade biográfica deste ocupou o tempo de muitos publicistas. Quando sucessivas descobertas de registos de nascimento seu e dos filhos vieram certificar a efectividade da sua vida, passou-se a garantir que, tendo existido, não teria escrito as obras que assinara. Bacon, Raleigh, Marlowe, o Arcebispo de Cantuária e... a Rainha Isabel I foram apenas algumas das imaginativas hipóteses aventadas para solucionar o mistério. O problema é que o mistério não existia, antes de ter sido criado por aqueles que procuravam desvendá-lo definitivamente! Com o tempo, foram caindo essas construções; pois logo a crítica especializada passou a debruçar-se sobre outra candente temática: qual a fidedignidade dos retratos conhecidos do dramaturgo, comparadas as várias versões pictóricas. Quem quiser divertir-se que accione este link, sobre as derradeiras descobertas. Para mim, trata-se apenas de uma prova mais do já massacrantemente apreendido - que a limitação humana não suporta conceber a existência de outros homens, em quem a genialidade seja universalmente reconhecida, sem que possa vingar-se pela publicitação das pequenas mediocridades de qualquer biografia, ou sem que possa moldá-los segundo as suas preferências. É que rebaixando-os, ou fingindo à altura deles elevar-se pela paternidade criativa da invenção, a secreta inveja forja uma proximidade maior entre Autor e Objecto do estudo.
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