Leitura Matinal -311
A redução do Mundo ao enlace amoroso não encontrará melhor imagem
do que a autosuficiência dos dois termos da relação. Falecendo um, a atomização dos constituintes pode operar-se, como estrangulamento da felicidade que se conheceu e que agora se vê impossibilitada de consumação pela ausência de um dos seus termos essenciais. Fragmentados, os componentes do Amor transformam-se nos
causadores da insuportabilidade que se arrasta, arrasta, arrasta. Quanto mais duradoura a existência por eles garrotada, mais doloroso e interminável o afastamento se torna, numa regeneração aflitiva que acompanha a duração biográfica, sempre estimulada pela recordação de quem se perdeu. Desta condicionada
e lacrimosa sobrevivência surge o desejo de libertação do lamentoso fado, pronto a acolher a libertação que as esperanças querem assimilar à corrida no sentido percorrido pelo Ente Amado. É tudo uma pesagem do que mais consome. A oposição ao vagaroso trabalho corrosivo das dosagens conhecidas, em vias de verem os
seus lugares ocupados por aumentos extraordinários que apressam a decomposição, pelos paroxismos que deixam de parecer inpossíveis de aguentar, por o serem, efectivamente. E este fim cavalga a inconfessável esperança de que, ganhando velozmente sobre o avanço concedido, se torne possível uma nova reunião. Porque, diz-se, não há amor sem esperança. E que outra seria aceitável, neste ponto, que permitisse a subsistência da chama?
De John Donne, traduzido por Helena Barbas:
A DISSOLUÇÃO
Ela está morta, e tudo o que morre
.......Regressa aos seus primeiros elementos:
Nós éramos de nós próprios os mútuos elementos,
...................E feitos um do outro.
............Então, o meu corpo o dela deve envolver,
E as coisas de que eu aí consisto; por esse meio
Crescem elas em mim, abundantes e pesadas,
..................Não alimentam, mas asfixiam
.............O fogo da minha paixão, suspiros de ar,
Água de lágrimas, e o triste e terreno desespero,
.....................Os meus materiais que,
(embora quase esgotados pela segurança do amor),
Para meu mal, ela deverá renovar com a sua morte.
............Assim, poderei viver longamente infeliz
A não ser que o meu fogo cresça com o meu combustível.
....................Agora, tal como os reis enérgicos
..............A quem as conquistas estrangeiras trazem tesouros,
E recebendo mais, gastam mais, cedo se arruinando,
Isto - do qual me espanto que possa falar -
.............Esta morte, conseguiu que as minhas reservas
...................Aumentassem com o meu gasto,
E assim a minha alma, com maior fervor libertada
Ultrapassará a dela, como as balas disparadas primeiro
São alcançadas por uma bala tardia com mais pólvora.
Além de «Fogo da Paixão», de Mary Beth Fidler, «Lágrimas
Arrepiantes», de Joseph Cohen, «Suspiros Silenciosos», de
Noel Lynn e «O Espírito do Desespero».
do que a autosuficiência dos dois termos da relação. Falecendo um, a atomização dos constituintes pode operar-se, como estrangulamento da felicidade que se conheceu e que agora se vê impossibilitada de consumação pela ausência de um dos seus termos essenciais. Fragmentados, os componentes do Amor transformam-se nos
causadores da insuportabilidade que se arrasta, arrasta, arrasta. Quanto mais duradoura a existência por eles garrotada, mais doloroso e interminável o afastamento se torna, numa regeneração aflitiva que acompanha a duração biográfica, sempre estimulada pela recordação de quem se perdeu. Desta condicionada
e lacrimosa sobrevivência surge o desejo de libertação do lamentoso fado, pronto a acolher a libertação que as esperanças querem assimilar à corrida no sentido percorrido pelo Ente Amado. É tudo uma pesagem do que mais consome. A oposição ao vagaroso trabalho corrosivo das dosagens conhecidas, em vias de verem os
seus lugares ocupados por aumentos extraordinários que apressam a decomposição, pelos paroxismos que deixam de parecer inpossíveis de aguentar, por o serem, efectivamente. E este fim cavalga a inconfessável esperança de que, ganhando velozmente sobre o avanço concedido, se torne possível uma nova reunião. Porque, diz-se, não há amor sem esperança. E que outra seria aceitável, neste ponto, que permitisse a subsistência da chama?
De John Donne, traduzido por Helena Barbas:
A DISSOLUÇÃO
Ela está morta, e tudo o que morre
.......Regressa aos seus primeiros elementos:
Nós éramos de nós próprios os mútuos elementos,
...................E feitos um do outro.
............Então, o meu corpo o dela deve envolver,
E as coisas de que eu aí consisto; por esse meio
Crescem elas em mim, abundantes e pesadas,
..................Não alimentam, mas asfixiam
.............O fogo da minha paixão, suspiros de ar,
Água de lágrimas, e o triste e terreno desespero,
.....................Os meus materiais que,
(embora quase esgotados pela segurança do amor),
Para meu mal, ela deverá renovar com a sua morte.
............Assim, poderei viver longamente infeliz
A não ser que o meu fogo cresça com o meu combustível.
....................Agora, tal como os reis enérgicos
..............A quem as conquistas estrangeiras trazem tesouros,
E recebendo mais, gastam mais, cedo se arruinando,
Isto - do qual me espanto que possa falar -
.............Esta morte, conseguiu que as minhas reservas
...................Aumentassem com o meu gasto,
E assim a minha alma, com maior fervor libertada
Ultrapassará a dela, como as balas disparadas primeiro
São alcançadas por uma bala tardia com mais pólvora.
Além de «Fogo da Paixão», de Mary Beth Fidler, «Lágrimas
Arrepiantes», de Joseph Cohen, «Suspiros Silenciosos», de
Noel Lynn e «O Espírito do Desespero».
2 Comments:
At 1:23 PM, Viajante said…
De alguma forma, o Amor e a Esperança nem são conciliáveis...
Pensando bem, espera quem não pode agir. A esperança, se bem que última a sair da Arca, é a que só pode mesmo esperar ou ansear.
Amor nem é, verdadeiramente, uma opção - sentimento e valor, paradoxo da vontade que não se liberta e que traz, de alguma forma, des-esperança, por se não esperar mas se pretender activo.
Por isso percebo «a felicidade desesperadamente» do Comte-Sponville. E no binómio activo-passivo coloco o amor e a esperança.
At 4:30 PM, Paulo Cunha Porto said…
Não enjeitando de modo algum o "distinguo", talvez não fosse de condenar a Esperança à carência de consequção., quando o que lhe falta é, somente, actualidade. Digamos que "Amor" e "Esperança" podem bem ser a mesma realidade, só que em tempos verbais distintos...
Beijos.
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