Leitura Matinal -301
As artes dos possíveis e as ciências costumam ser arredadas do
ofício da poesia, porque este vive muito do que se quer ver para lá da proximidade, ou pela individualização exaustiva de um aspecto geral, que, abstraindo da visão de conjunto, pela própria força dessa eleição, obtenha o tonus adequado à inclusão no género poético. O Homem, estamos cansados de o saber, procura os seus equilíbrios no que lhe falta. É assim que demanda
as compensações para a opressão de uma rotina de observações e de notas, promissoras da revelação que lhe falece. Porque demasiado longe do infinito, mitifica as posibilidades dessa distância na apreensão de outra faceta do Real, tal como a sua insignificância o estimula a mitificar a escolha de um pormenor. Ambas estas explorações
do objecto são, contudo, do domínio da celebração. Porque o perfeito equilíbrio que se julga capaz de discernir sem sentimento acaba por deixar o ogulhoso que o acreditou suficiente desamparado na pequenez desvalida da sua condição, sem compartilhar os elementos de sensibilidade que poderiam evitar que se tornasse desumano.
De Antoniel Campos:
A ESFERA
Uma esfera,
independente do seu tamanho,
não deixa visível
sequer a sua metade
(na teoria,
a metade só é visível do infinito).
Imagine uma esfera.
Quanto mais nos afastamos,
mais exergamos da metade
e menos detalhes sabemos da esfera.
Ao contrário,
se nos aproximamos,
menos exergamos da metade
e mais detalhes sabemos da esfera.
Há uma distância
que satisfaz e equilibra
a visão possível da metade
com a quantidade possível dos detalhes.
Essa distância não serve à poesia.
Embonecado com «Paisagem de Sonho do Infinito»,
de Patrick St.-Germain, «O Deus da Poesia», de
Deng Jiafu e «Equilibrado», de Crawfurd Adamson.
ofício da poesia, porque este vive muito do que se quer ver para lá da proximidade, ou pela individualização exaustiva de um aspecto geral, que, abstraindo da visão de conjunto, pela própria força dessa eleição, obtenha o tonus adequado à inclusão no género poético. O Homem, estamos cansados de o saber, procura os seus equilíbrios no que lhe falta. É assim que demanda
as compensações para a opressão de uma rotina de observações e de notas, promissoras da revelação que lhe falece. Porque demasiado longe do infinito, mitifica as posibilidades dessa distância na apreensão de outra faceta do Real, tal como a sua insignificância o estimula a mitificar a escolha de um pormenor. Ambas estas explorações
do objecto são, contudo, do domínio da celebração. Porque o perfeito equilíbrio que se julga capaz de discernir sem sentimento acaba por deixar o ogulhoso que o acreditou suficiente desamparado na pequenez desvalida da sua condição, sem compartilhar os elementos de sensibilidade que poderiam evitar que se tornasse desumano.
De Antoniel Campos:
A ESFERA
Uma esfera,
independente do seu tamanho,
não deixa visível
sequer a sua metade
(na teoria,
a metade só é visível do infinito).
Imagine uma esfera.
Quanto mais nos afastamos,
mais exergamos da metade
e menos detalhes sabemos da esfera.
Ao contrário,
se nos aproximamos,
menos exergamos da metade
e mais detalhes sabemos da esfera.
Há uma distância
que satisfaz e equilibra
a visão possível da metade
com a quantidade possível dos detalhes.
Essa distância não serve à poesia.
Embonecado com «Paisagem de Sonho do Infinito»,
de Patrick St.-Germain, «O Deus da Poesia», de
Deng Jiafu e «Equilibrado», de Crawfurd Adamson.
4 Comments:
At 11:46 PM, Anonymous said…
Só um ligeiro comentário:
Pedindo desculpa pela repetição, mas volto a lembrar Pessoa: Só o símbolo(geometria) é directamente iniciático (a frase era algo assim). No caso, o mesmo autor dizia o mesmo da poesia, mas da poesia épica. Seja como for, mesmo que não tenha entendido como devia, reconheço que esfera é o símbolo da perfeição. E será a perfeição inatíngivel? Ou é a poesia, ou melhor, as pessoas, que não podem alcançar o todo, a visão holística - a visão das metades e simultaneamente do detalhe? Ou o conhecimento de tudo, de todas as contradições que se complementam e de todos os opostos e ambíguidades do universo? Ou já estou eu a disparatar e a exagerar?
Pedro Rodrigues
At 8:07 AM, Paulo Cunha Porto said…
Nada, Caro Pedro Rodrigues. Como eu interpreto, trata-se de enfoques complementares. O alcance do Todo, pobres de nós, tem de ser empreendido por etapas e com perspectivas diferentes, deixando para outras disciplinas o estudo na proporção equilibrada entre o pormenor e a abrangência, mas deixando à poesia a também necessária exploração da imensidão e da singularidade que ajude a satisfazer as nossas necessidades espirituais. Mas dou-Lhe toda a razão, quando fala da complexidade e do ambíguo do que nos transcende. Em procurar contrariar alguma relativa impenetrabilidade dele está a fascinação comum à poética e a outras formas de espiritualidade.
Um abraço, muito grato por ter focado dois aspectos tão importantes, que me permitiram precisar um pouco o que penso a respeito.
At 10:19 AM, Viajante said…
Ora, a «velhíssima» cisão!
Poesia versus ciência e filosofia.
Se o gênero poético se define "pela expressão adquirida em função ao gênero de objeto evocado" (esta definição é linda...), os mais frequentemente evocados pela poesia parecem mesmo ser o sentimento e a acção - matérias ou temáticas dominantes, sendo que, ainda assim, todos os temas podem ser alcançados de algum modo pela evocação.
O que nos levaria à universalidade temática!
E, nesta linha, parece-me que apenas o uso pragmático divide a poesia internamente, sendo essencial o que separa o género de evocação da ciência e da filosofia. A poesia nem quer saber do Real, afinal...e o ser humano apresenta-se de diferentes modos nos géneros da Poética.
É tentador distinguir sentimento de sentimentalidade, até pelas inúmeras misturas que a este respeitos e encontram (risos).
Deixo W.W. por aqui :)
POETS to come! orators, singers, musicians to come!
Not to-day is to justify me, and answer what I am for;
But you, a new brood, native, athletic, continental, greater than before known,
Arouse! Arouse—for you must justify me—you must answer.
I myself but write one or two indicative words for the future,
I but advance a moment, only to wheel and hurry back in the darkness.
I am a man who, sauntering along, without fully stopping, turns a casual look upon you,
and
then
averts his face,
Leaving it to you to prove and define it,
Expecting the main things from you.
Perdoai o longo desvio.
Beijo.
At 6:54 PM, Paulo Cunha Porto said…
Whitmaniana Viajante:
Qual desvio e qual perdão! Agradecimento, simplesmente. Não duvido, por segundos que seja, da universalidade temática da Poesia, que a especificidade dela há-de ser encontrada na forma e no tipo de apelo que liga Autor e Leitor. Onde sinto um leve arrepio é no «uso pragmático dela» (r). Claro que "pragma", aqui deverá ser entendido no objectivo que vise, de suscitar adesão cúmplice que transcenda a proficiência reflexiva, de observação, ou de narração. Mas dele se extrai o tal adjectivo perigoso, porque inculcador do equilíbrio de distâncias que o labor poético não consente. É que pragmatismo implica os sacrifícios de transigências negociais ou utilitárias e as únicas prátcas sacrificiais que a Poesia consente são as viradas para um Ideal ou uma solicitação do prazer mitificado, ainda que sátira seja.
Outro.
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