Os Perigos das Coisas
Passo os olhos por parte do que La Bruyère escreveu sobre os coleccionadores: «Não é um divertimento, é uma paixão, e por vezes tão violenta, que ela não cede ao amor, ou à ambição, salvo pela pequenez do seu objecto. Não é uma paixão que se tem geralmente pelas coisas raras, mas que se tem somente por uma certa coisa que é rara, e, portanto, está na moda».
Penso nos coleccionadores que conheço, na minha própria condição, no que toca a sacos de açucar e a... livros. A primeira é relativamente inofensiva, por ser a menos onerosa e mais fácil de empreender. Quanto à segunda, penso na bibliofilia e nos exemplares que conheço. Pessoas interessantes, como ponto de partida, mas que por tanto prezarem os respectivos volumes como objecto, acabam por desviar a atenção dos textos para as capas, chegando ao miserável ponto de se investirem, como a todo o seu tempo, nas buscas e na aquisição, em prejuízo das digestões dos textos lá encerrados. E reflicto em como o espírito de juntar coisas pode subverter o equilíbrio da vida. Ernst Junger conta que, certa vez, como coleccionador de insectos que era, pediu autorização ao dono de um jardim para entrar nele, em perseguição de um exemplar raro que lhe faltava. E do embaraço com que ouviu a resposta: «Se isso faz a sua felicidade...».
Da mesma forma com os humanos. Quantas vezes não caímos na perversão de coligir relações, sem atentar em lê-las, ou seja, penetrar-lhes o espírito?
Termino citando o Autor com que comecei, após ter ouvido a enumeração exaustiva das edições e encadernações de um ajuntador de livros: «(...)acrescenta que jamais os lê, que não põe os pés nessa galeria, que foi lá hoje para me dar prazer; eu agradeço-lhe pela sua complacência, e não quero, mais do que ele, visitar o seu armazém de couros, a que chama biblioteca.».
Se o decálogo comportasse mais um mandamento, poderíamos acrescentar: "Nunca coisificar um objecto do espírito".
Penso nos coleccionadores que conheço, na minha própria condição, no que toca a sacos de açucar e a... livros. A primeira é relativamente inofensiva, por ser a menos onerosa e mais fácil de empreender. Quanto à segunda, penso na bibliofilia e nos exemplares que conheço. Pessoas interessantes, como ponto de partida, mas que por tanto prezarem os respectivos volumes como objecto, acabam por desviar a atenção dos textos para as capas, chegando ao miserável ponto de se investirem, como a todo o seu tempo, nas buscas e na aquisição, em prejuízo das digestões dos textos lá encerrados. E reflicto em como o espírito de juntar coisas pode subverter o equilíbrio da vida. Ernst Junger conta que, certa vez, como coleccionador de insectos que era, pediu autorização ao dono de um jardim para entrar nele, em perseguição de um exemplar raro que lhe faltava. E do embaraço com que ouviu a resposta: «Se isso faz a sua felicidade...».
Da mesma forma com os humanos. Quantas vezes não caímos na perversão de coligir relações, sem atentar em lê-las, ou seja, penetrar-lhes o espírito?
Termino citando o Autor com que comecei, após ter ouvido a enumeração exaustiva das edições e encadernações de um ajuntador de livros: «(...)acrescenta que jamais os lê, que não põe os pés nessa galeria, que foi lá hoje para me dar prazer; eu agradeço-lhe pela sua complacência, e não quero, mais do que ele, visitar o seu armazém de couros, a que chama biblioteca.».
Se o decálogo comportasse mais um mandamento, poderíamos acrescentar: "Nunca coisificar um objecto do espírito".
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