Leitura Matinal -278
A chave de toda a vida humana encontra-se no Objecto em que concentramos a nossa atenção. É ele que acaba
por influenciar o nosso comportamento da forma mais decisiva, com a concomitante contrapartida de ignorar outras potenciais alternativas, oferecidas em leque à escolha da nossa jogada. Cada carta que decidimos lançar implica a preterição de muitas mais. É o que acontece com todas as investidas e todas as idealizações de Passados míticos, com todos os aprisionamentos do coração, todas as cegueiras motivadas pela fascinação do que se não distingue bem,
como pela irradiação das luminosidades remotas. A umas e outras tendemos a fazer coincidir os anelos do nosso sentir, perdendo de vista a substância que a nossa própria valia possa representar para os outros. Cegos que estamos pelas construções imaginativas do nosso universo mental, condicionado em demasia pelo desgosto que demasiada realidade desperta, tentamos a caminhada para diante
que nos livre do terrível peso ameaçador e simule a aproximação às imagens e criações, imperceptíveis enquanto tais, em que nos fixámos. Abrimos, assim, espaço para outros perigos, as quedas provocadas por qualquer afrouxamento da atenção. São as contra-indicações de nos concentrarmos em demasia, que acabam por nos transformar em fantoches sem consciência de que somos instrumentalizados pelos devaneios, ao contrário dos que assim catalogamos, reais fios e não menos constatáveis manipuladores. Resumindo: nossos rivais em irrealidade, por muito diferente que esta aparente ser, até ao ponto de ruptura de esquecer-se.
De Edmond Jabés, três dos segmentos - II, III e IV - de
«ERIGIDAS SOBRE AS NOSSAS FÁBULAS Uma Sumptuosa Morada»,
na tradução de Pedro Tamen:
II
Os passos são telhados esperados. Ao andar, privo de calor
o chão que os meus pés abandonam.
III
Avancei mais do que me permitiam as pupilas. (Lá onde a obscuridade
se torna em degraus gratuitos, vertigem roubada à vigilância.)
A idade da transparência habita a memória dos homens.
As guerras contribuem para o seu prestígio.
O teu cabelo é o halo alongado do meu desespero. (Será o
teu rosto o astro de que a manhã nasceu?)
As mãos trepavam, selvagens, até à boca do abismo de que
ninguém suspeita ao passar, distraído pelas dobras ondulantes
das horas iluminadas que estriam o céu.
IV
(Há que admitir a nossa ausência do mundo, a nossa confortável
segurança perante as marionetas inspiradas com que as crianças
sonham. Há que admitir a nossa irrealidade que respeita
as deambulações dessas criaturas incómodas.)
Aproximados de «Vigilância - o Preço da Liberdade», de
Howard Hughes, «Vertigem», de Annie Retivat e «Abismo»,
de John DiNero.
por influenciar o nosso comportamento da forma mais decisiva, com a concomitante contrapartida de ignorar outras potenciais alternativas, oferecidas em leque à escolha da nossa jogada. Cada carta que decidimos lançar implica a preterição de muitas mais. É o que acontece com todas as investidas e todas as idealizações de Passados míticos, com todos os aprisionamentos do coração, todas as cegueiras motivadas pela fascinação do que se não distingue bem,
como pela irradiação das luminosidades remotas. A umas e outras tendemos a fazer coincidir os anelos do nosso sentir, perdendo de vista a substância que a nossa própria valia possa representar para os outros. Cegos que estamos pelas construções imaginativas do nosso universo mental, condicionado em demasia pelo desgosto que demasiada realidade desperta, tentamos a caminhada para diante
que nos livre do terrível peso ameaçador e simule a aproximação às imagens e criações, imperceptíveis enquanto tais, em que nos fixámos. Abrimos, assim, espaço para outros perigos, as quedas provocadas por qualquer afrouxamento da atenção. São as contra-indicações de nos concentrarmos em demasia, que acabam por nos transformar em fantoches sem consciência de que somos instrumentalizados pelos devaneios, ao contrário dos que assim catalogamos, reais fios e não menos constatáveis manipuladores. Resumindo: nossos rivais em irrealidade, por muito diferente que esta aparente ser, até ao ponto de ruptura de esquecer-se.
De Edmond Jabés, três dos segmentos - II, III e IV - de
«ERIGIDAS SOBRE AS NOSSAS FÁBULAS Uma Sumptuosa Morada»,
na tradução de Pedro Tamen:
II
Os passos são telhados esperados. Ao andar, privo de calor
o chão que os meus pés abandonam.
III
Avancei mais do que me permitiam as pupilas. (Lá onde a obscuridade
se torna em degraus gratuitos, vertigem roubada à vigilância.)
A idade da transparência habita a memória dos homens.
As guerras contribuem para o seu prestígio.
O teu cabelo é o halo alongado do meu desespero. (Será o
teu rosto o astro de que a manhã nasceu?)
As mãos trepavam, selvagens, até à boca do abismo de que
ninguém suspeita ao passar, distraído pelas dobras ondulantes
das horas iluminadas que estriam o céu.
IV
(Há que admitir a nossa ausência do mundo, a nossa confortável
segurança perante as marionetas inspiradas com que as crianças
sonham. Há que admitir a nossa irrealidade que respeita
as deambulações dessas criaturas incómodas.)
Aproximados de «Vigilância - o Preço da Liberdade», de
Howard Hughes, «Vertigem», de Annie Retivat e «Abismo»,
de John DiNero.
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