Leitura Matinal -240
Foi necessário o ultra-romantismo de um João Penha para imaginar um salgueiro que denominou «Sylvia» apaixonado por um homem, no caso, como convinha, o próprio Autor.
Não é, no entanto, exclusiva prerrogativa de escola a concessão de um estatuto de pessoa às árvores. Afinal está marcada a fogo no nosso inconsciente ter sido uma delas a única interveniente no crime punido com a Expulsão do Paraíso que não se pronunciou. A ambição desmedida da nossa espécie aliou-se ao erro de identidade que tomou a Árvore do Conhecimento pela Árvore da Vida, que conferiria imortalidade igual à Divina. Todos falaram, a Serpente com Eva, esta com Adão e o Criador com todos. Só a Árvore permaneceu muda e queda.
Por isso ficámos reféns desse testemunho não prestado. Para a tentarmos lisongear recorremos a ela como imagem que na genealogia nos dá a ligação aos nossos Avós. Mas porque o resgate da Culpa originária tarda, transformados em troncos enraizados viu Dante os suicidas, aqueles cuja desistência os impediu de caminhar no sentido inverso ao Mal, condenados à imobilidade.
E da perturbação que nos assalta, na companhia delas quando da dos humanos já desesperámos, tentamos fazê-las nossos interlocutores e não defraudar as esperanças que supomos terem colocado em nós, à míngua de confianças humanas paralelas que ainda pudessem subsistir. Que é como quem diz, tendo ido passear a nossa solidão para o meio das árvores, ao humanizá-las e consigo provocando a osmose, não estamos a fazer coisa outra do que transfeir para elas a insuportável solitude.
De Juan Ramón Jimenez, sempre graças a José Bento:
ÁRVORES HOMENS
Ontem à tarde
voltava eu com as nuvens
que entravam sob as roseiras
(grande ternura redonda)
entre os troncos constantes.
A solidão era eterna
e o silêncio inacabável.
Detive-me com uma árvore
e ouvi falar as árvores.
O pássaro só fugia
dessa oculta paragem,
só eu podia estar
entre as rosas finais.
Eu não queria voltar
em mim, receando dar-lhes
desgosto de árvore diferente
às árvores iguais.
As árvores esqueceram-se
de como eu era homem errante,
e, esquecida a minha forma,
ouvia falar as árvores.
Demorei-me até à estrela.
Em voo de luz suave
fui indo até à margem,
com a Lua já no espaço.
Quando eu ia sair
vi as árvores fitar-me.
De tudo davam conta,
dava pena deixá-las.
Eu ouvia-as falar
entre névoas de nácares,
com brando rumor, de mim.
Como desenganá-las?
Como dizer~lhes não,
que estava de passagem,
que a mim não me falassem?
Não queria atraiçoá-las.
E muito tarde, ontem à tarde,
ouvi-me falar às árvores.
Acentuando a máxima sobre a humana condição,
temos um Strange «Bosque dos Sucidas», a partir
de Dante e «A Árvore Solitária», de C- D. Friedrich.
Não é, no entanto, exclusiva prerrogativa de escola a concessão de um estatuto de pessoa às árvores. Afinal está marcada a fogo no nosso inconsciente ter sido uma delas a única interveniente no crime punido com a Expulsão do Paraíso que não se pronunciou. A ambição desmedida da nossa espécie aliou-se ao erro de identidade que tomou a Árvore do Conhecimento pela Árvore da Vida, que conferiria imortalidade igual à Divina. Todos falaram, a Serpente com Eva, esta com Adão e o Criador com todos. Só a Árvore permaneceu muda e queda.
Por isso ficámos reféns desse testemunho não prestado. Para a tentarmos lisongear recorremos a ela como imagem que na genealogia nos dá a ligação aos nossos Avós. Mas porque o resgate da Culpa originária tarda, transformados em troncos enraizados viu Dante os suicidas, aqueles cuja desistência os impediu de caminhar no sentido inverso ao Mal, condenados à imobilidade.
E da perturbação que nos assalta, na companhia delas quando da dos humanos já desesperámos, tentamos fazê-las nossos interlocutores e não defraudar as esperanças que supomos terem colocado em nós, à míngua de confianças humanas paralelas que ainda pudessem subsistir. Que é como quem diz, tendo ido passear a nossa solidão para o meio das árvores, ao humanizá-las e consigo provocando a osmose, não estamos a fazer coisa outra do que transfeir para elas a insuportável solitude.
De Juan Ramón Jimenez, sempre graças a José Bento:
ÁRVORES HOMENS
Ontem à tarde
voltava eu com as nuvens
que entravam sob as roseiras
(grande ternura redonda)
entre os troncos constantes.
A solidão era eterna
e o silêncio inacabável.
Detive-me com uma árvore
e ouvi falar as árvores.
O pássaro só fugia
dessa oculta paragem,
só eu podia estar
entre as rosas finais.
Eu não queria voltar
em mim, receando dar-lhes
desgosto de árvore diferente
às árvores iguais.
As árvores esqueceram-se
de como eu era homem errante,
e, esquecida a minha forma,
ouvia falar as árvores.
Demorei-me até à estrela.
Em voo de luz suave
fui indo até à margem,
com a Lua já no espaço.
Quando eu ia sair
vi as árvores fitar-me.
De tudo davam conta,
dava pena deixá-las.
Eu ouvia-as falar
entre névoas de nácares,
com brando rumor, de mim.
Como desenganá-las?
Como dizer~lhes não,
que estava de passagem,
que a mim não me falassem?
Não queria atraiçoá-las.
E muito tarde, ontem à tarde,
ouvi-me falar às árvores.
Acentuando a máxima sobre a humana condição,
temos um Strange «Bosque dos Sucidas», a partir
de Dante e «A Árvore Solitária», de C- D. Friedrich.
2 Comments:
At 12:11 AM, Anonymous said…
Una sensación extraña la de leer a JRJ en portugués, pero la traducción es buena.
Un cordial saludo,
Rafael Castela Santos
At 7:03 AM, Paulo Cunha Porto said…
Imagino, Caro Rafael. A tradução, em poesia, é sempre problemática. Pela proximidade linguística já tenho optado por dar Autores de língua castelhana no original, porém penso que o sábio labor de José Bento e a sua dedicação às letras espanholas, merecem também publicação.
Um abraço.
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