O Misantropo Enjaulado

O optimismo é uma preguiça do espírito. E. Herriot

Monday, January 09, 2006

Involução Social

Ao ouvir um representante dos agentes das forças policiais comentar as agressões e violentas resistências de que os seus colegas vêm sendo vítimas, carpindo a falta de meios e dizendo que «Portugal já não é um País em que se possa deixar a chave no lado de fora da fechadura», ocorreu-me o maravilhamento com que vários intelectuais de primeira plana encararam a criminalidade diminuta dominante no Estado Novo, tais Roy Campbell ou Maeterlinck. Não era só a segurança que atraía. Era mais, muito mais, uma genuína admiração pela ética dos humildes, já que o crime, tanbém hoje, como se sabe, é realidade multiclassista.
Como as predisposições para a honestidade começam antes da tentação da infracção, não resisto a relatar, da memória de uma leitura, um caso digno de nota. Creio que foi o Autor de «A VIDA DAS FORMIGAS» que, indo com António Ferro e Fernanda de Castro num automóvel pela nossa província fora, viu o condutor na contingência de travar violentamente, para não atropelar o cão de um pastor. Este facto simples levou o dono do bicho a descobrir-se, em sinal de agradecimento. Ao que o Visitante, extasiado, dizia: «Nisto é que está a verdadeira civilização!».
Actualmente, igual episódio teria merecido somente acerbas recriminações. É o Portugal de hoje, face Ao que já não volta. Eu prefiro o desaparecido.

7 Comments:

  • At 3:25 PM, Blogger Flávio Santos said…

    Steinbeck, em "As Vinhas da Ira", relata o caso inverso, o de um sujeito que tentava mesmo atropelar os cães que se atravessavam à frente do seu camião.
    Civilizações...

     
  • At 4:33 PM, Blogger Bruno Santos said…

    O sul-africano Roy Campbell (que poeta extraordinário!) viveu, de facto, em Portugal — ele, a mulher e (julgo que) as filhas, entre 1952 e 1957 — depois de terem escapado à fúria 'tolerante' e 'democrática' dos republicanos em Espanha e de um período de residência em Inglaterra.
    Da África do Sul para Espanha; do país vizinho para Inglaterra; daqui para Portugal 1 uma vida que, fora Espanha e o local de nascimento, semelha em tudo a de Pessoa: o mesmíssimo percurso e a mesmíssima arte de poeta.
    Mas o ponto onde quero chegar é este: Campbell morreu em Abril de 1957 num acidente de viação, creio que na Arrábida. Está aqui, pois, mais um dado relevante para o "Portugal de hoje" — que «democratizou» e «desenvolveu» deveras este tipo de tragédia.

     
  • At 7:04 PM, Blogger Paulo Cunha Porto said…

    Infelizmente, Caro FG Santos, a malvadez para com os animais é universal. Mas concordo inteiramente quanto à hierarquia que sugeres...

    Caro BOS:
    A poesia do Campbell era realmente notável. E foi notada por Pounds, Eliots & Cª. Hoje porém anda remetida para os especialistas, vá Deus dizer porquê...
    Quanto aos acidentes de viação e à Arrábida, os respectivos balanços sinistros são bem obras de regime. Deste regime.

    Abraços a Ambos

     
  • At 9:34 PM, Anonymous Anonymous said…

    Descobrir a cabeça: assisti há semanas a certa reportagem em que os encarregados de educação muito se indignavam com o conselho directivo duma escola por proibir os alunos de andar com chapéu nos corredores da escola. Queixaram-se ao ministério. Talvez usem boné à mesa... Cumpts.

     
  • At 10:12 PM, Blogger Paulo Cunha Porto said…

    Caríssimo Bic Laranja: pelo que me conta, essas pessoas assinarem como "encarregados de EDUCAÇÃO" é, já por si, grande barrete... que não deve desaparecer à mesa... por Obra e Graça do Espírito Santo.
    Votos amigos.

     
  • At 11:00 AM, Blogger Miles said…

    Caro amigo, também eu preferia o anterior, ainda que durante muito tempo não o tivesse compreendido. Mas este agora é simplesmente insuportável...

    E, já agora, para o FGSantos: ainda um dia destes, me cruzei na A8 com uma alimária que tentou infrutiferamente atropelar um ouriço que se encontrava à berma da estrada.

     
  • At 8:02 PM, Blogger Paulo Cunha Porto said…

    Meu Caro JSarto: é quando perdemos um bem que damos pelas qualidades dele. Neste ambiente... e olhe que eu não sou um incondicional do Estado Novo!

    Já agora, uma das piores experiências da minha vida foi ver a tristeza de uma pessoa que, fora disso, estimo, por não ter conseguido êxito numa situação paralela, com um coelho, que atravessava tranquilamente.

     

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