O Misantropo Enjaulado

O optimismo é uma preguiça do espírito. E. Herriot

Thursday, December 29, 2005

Leitura Matinal -223

Quando, enfim, satisfeitos os nossos apetites de interrogação do proprio íntimo. dirigimos a nossa indagação a um impreciso mas urgente exterior, sofremos com a ausência de retorno, ou dum
retorno determinado. Essa agonia de vermos devolvidas como que por uma parede, todas as importantíssimas questões que colocámos, quais poseurs do diálogo, quando a nossa demanda mais não visava que aquietar-nos, torna qualquer um insensível ao que de belo e sereno possa ter o retorno das dúvidas de que, na nossa obcessão,
nos queríamos livrar. É na falta do reconhecimento do valor único da demanda e da sua continuidade que nasce a desesperada vontade de saber e de, se necessário for, sofrer, de modo a que fiquemos garantidos contra a solidão, a qual temos por morte em vida. Não nos apercebemos, vendados pela atracção pelo impreciso, que concretizá-lo seria o fim, muito mais temível do que a audição cambiada da nossa voz que a ninfa invisível nos envia. Se obtivéssemos o que queríamos, cair-se-ia no massacre das mãos que atiraram o bumerangue, pois ele voltaria revestido das farpas cortadoras da carne.
De Fernando Vieira:

Provéns da língua indígena da Austrália
Antípoda palavra bumerangue.
Saúdam~teos poetas que encontraram
Uma rima selvagem para sangue.

Como arma de arremesso que te assumes,
Levas veloz o espaço de vencida.
E dando corpo ao eco do teu voo
Voltas intacto ao ponto de partida.

Porém, o que interrogo, o que procuro,
Tudo o que atiro ao vento, noite fora,
Retorna com disfarces silenciando
Aquilo que pergunto e que me ignora.

No apelo que te faço, bumerangue,
Mais a nossa distância se avizinha:
Tu, na língua selvagem que te é própria.
Eu, na linguagem mansa que é minha.

Por isso, bumerangue, tu que partes
E voltas traz-me vinda não sei donde
Não a harmonia do teu voo intacto
Mas a resposta ansiada que se esconde.


Para rimar com o poema, trouxe, pleno de azul,
«O Eco Eterno», de Brownyn Bancroft.

8 Comments:

  • At 11:39 AM, Blogger Viajante said…

    Que estranho! Vim dos espelhos, para re-espelhar aqui. Esse «impreciso mas urgente exterior» é também a visão da multidão, que me provoca melancolia, à falta de melhor palavra. Não precisando de me garantir contra a solidão, companheira omnipresente quer dê por ela, quer não, será bom prezar a ocasional companhia em pequenos troços de Viagem.
    Por isso, se de bom grado me misturaria na multidão tal "não ouso nem quero". Vim aqui ler que tal se deve, em boa verdade, à recusa do massacre.

    beijos, apesar do incómodo ou por ele mesmo

     
  • At 12:23 PM, Blogger Paulo Cunha Porto said…

    Presciente Viajante:
    Afins dos Espelhos são os ecos e o bumerangue, os quais, depois de emitidos, voltam ao ponto de partida. A ocasional companhia não é rival da solidão. Se esta for como a minha, as boas companhias são pontos de apoio dela, que, gostaria de pensá-lo, lhe evitam a esterilidade.
    A multidão, essa, é máquina de picar espíritos. Ao antagonizar a ocorrência dos momentos de reforço da individualidade e ao empurrar para a uniformidade do padrão, corta no mais pequeno que pode os voos da alma.
    Porque o que importa é a procura. Só estimulada com Achados como o da Maravilhosa e Interlocutora Visita que aqui passou.
    Um beijo. Há incómodos e incómodos, espero.

     
  • At 1:09 PM, Blogger João Villalobos said…

    Este poema é sem dúvida um bom poema. Quanto à Solidão vs Multidão:
    "Tudo é Duplo; tudo tem pólos; tudo tem o seu oposto;o igual e o desigual são a mesma
    coisa; os opostos são idênticos em natureza, mas diferentes em grau; os extremos
    tocam-se; todas as verdades são meias verdades; todos os paradoxos podem ser
    reconciliados." − O KYBALION

     
  • At 7:55 PM, Blogger Paulo Cunha Porto said…

    Bem... o mesmo...
    Talvez possamos dizer que um espírito forte consegue tanto resistir a dissolver-se numa como a exagerar-se na outra, qualquer que seja a solicitação dominante. E nesse sentido seriam, então, iguais em valor. Sem assimilações importadas que forcem.

     
  • At 9:37 PM, Blogger Viajante said…

    Comentar o comentado, esperando que não ofenda:
    João VillaLobos, eu não afirmei Solidão vs Multidão (e não estou a brincar com os sentidos das palavras).
    O verso suporia reverso e elas não são opostas, na realidade. Nem pólos uma da outra. É sabido que se pode estar profundamente só na multidão e se afirmo a solidão sempre presente, o mesmo não se passa com a multidão.
    A citação de «tudo é duplo» fez-me lembrar que a infelicidade caminha de braço dado com a felicidade. Ainda que discorde de que todos os paradoxos possam ser reconciliados.
    :)

     
  • At 11:37 AM, Blogger Paulo Cunha Porto said…

    À Viajante:

    Por dificuldades técnicas o João Villalobos respondeu em «Restabelecimento», um pouco mais acima.

     
  • At 12:09 PM, Blogger Viajante said…

    Paulo, muito agradecida pela informação de rota que não descobriria :)

    Quanto ao «incómodo» foi mesmo do género «bom» incómodo, da inquietude ou do desassossego de espírito. Aquele que deixa um rasto de pensamento a desenhar-se, enquanto o quotidiano mais banal se desenrola.

    Gosto de incómodos como de afagos. Daí, este hábito (que pretendo preservar) de voltar para "ouvir" as respostas. A maioria tem, o que é sempre um bom acolhimento e compensa as repisadas de trajectos.

    Beijos, gratos e sorridentes.

     
  • At 6:55 PM, Blogger Paulo Cunha Porto said…

    Gentil Viajante:

    Sedutor o sentir das respostas às deixas como paralelos das festas que nos percorrem. Com efeito, também elas nos podem manter despertos e, ao mesmo tempo, fazer-nos sentir melhor.

    A Gratidão é inteiramente devida a Quem retibuo os beijos.

     

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