Leitura Matinal -216
A grandeza e bondade dos estados intermédios depende sempre do que se seguirá. Daí que se tenha de reconhecer alguma superior dimensão às interrogações acompanhadas de sofrimento que nos fazem ficar para lá
da insensibilidade consubstanciada na aceitação rotineira das mediocridades opressoras do quotidiano exterior. Ao interrogar-se sobre o porquê do que foi, ignorando o que será, por muito desiludido
que esteja, face à ausência de explicação e à mais fundamental, do amor, desde que não se deixe sufocar pelo desespero, encetou já a estrada alternativa que o fará, sem talvez o suspeitar, chegar a ambos. Porque acabará por concluir, na estrada sem distracções que escolheu, ter já chegado lá. O momento da descoberta será aquele em que se aperceba de que todo o amor iluminante não é presente a cuja recepção se ache com direitos adquiridos, mas a dádiva de que capaz for. Que pode bem estar a caminho, se a sua recusa do mundo que lhe repugna não o atirar para meras satisfações enganadoras dos seus instintos mais terra a terra, antes o guiar para uma fidelidade à Vida que, de momento, é o desconhecido projecto do seu Ser. Na paragem junto da árvore da dúvida começa o trajecto para a transfiguração do Caminho.
De João Camilo:
AS PALAVRAS DE EXPLICAÇÃO
Às vezes, ao cair da noite, uma árvore
murmura ao soprar do vento frases
inaudíveis. E aquele que procura o seu
destino detém-se, durante um instante
interroga-se sobre o sentido do passado.
Para onde vamos, corpos e ruídos, rios
e ventos, barcos e comboios, casas
que a humidade do mar vai corroendo?
Porque nos é recusado o amor, porque
nos são recusadas as palavras de explicação
e os braços que apartam contra si os peitos
ofegantes? Assustam as horas e os caminhos
do futuro aquele que não sabe de onde vem
nem aonde vai, incomoda-o a noite e a
solidão. Mas foi ele que preferiu estar
sozinho, cansaram-no as peripécias
sangrentas daquilo a que chamam
existência. A árvore, ele abandona-a
ao seu destino. O vento, ele vence-o.
E protege-se na rua a seguir, depois
segue o seu caminho. Não vai a lado
nenhum, foge apenas ao que não quer
que lhe aconteça. Assim prossegue a
viagem a caminho da morte. Não só no
que se tem se constrói o destino heróico
ou insignificante. Também no recusar-se
vai construindo o carácter do pobre herói
e a forma de amor que temos pela vida.
Junto: «Paisagem Com Um Viajante Solitário», de Yosa Buson
e «A Árvore Cinzenta», de Mondrian.
da insensibilidade consubstanciada na aceitação rotineira das mediocridades opressoras do quotidiano exterior. Ao interrogar-se sobre o porquê do que foi, ignorando o que será, por muito desiludido
que esteja, face à ausência de explicação e à mais fundamental, do amor, desde que não se deixe sufocar pelo desespero, encetou já a estrada alternativa que o fará, sem talvez o suspeitar, chegar a ambos. Porque acabará por concluir, na estrada sem distracções que escolheu, ter já chegado lá. O momento da descoberta será aquele em que se aperceba de que todo o amor iluminante não é presente a cuja recepção se ache com direitos adquiridos, mas a dádiva de que capaz for. Que pode bem estar a caminho, se a sua recusa do mundo que lhe repugna não o atirar para meras satisfações enganadoras dos seus instintos mais terra a terra, antes o guiar para uma fidelidade à Vida que, de momento, é o desconhecido projecto do seu Ser. Na paragem junto da árvore da dúvida começa o trajecto para a transfiguração do Caminho.
De João Camilo:
AS PALAVRAS DE EXPLICAÇÃO
Às vezes, ao cair da noite, uma árvore
murmura ao soprar do vento frases
inaudíveis. E aquele que procura o seu
destino detém-se, durante um instante
interroga-se sobre o sentido do passado.
Para onde vamos, corpos e ruídos, rios
e ventos, barcos e comboios, casas
que a humidade do mar vai corroendo?
Porque nos é recusado o amor, porque
nos são recusadas as palavras de explicação
e os braços que apartam contra si os peitos
ofegantes? Assustam as horas e os caminhos
do futuro aquele que não sabe de onde vem
nem aonde vai, incomoda-o a noite e a
solidão. Mas foi ele que preferiu estar
sozinho, cansaram-no as peripécias
sangrentas daquilo a que chamam
existência. A árvore, ele abandona-a
ao seu destino. O vento, ele vence-o.
E protege-se na rua a seguir, depois
segue o seu caminho. Não vai a lado
nenhum, foge apenas ao que não quer
que lhe aconteça. Assim prossegue a
viagem a caminho da morte. Não só no
que se tem se constrói o destino heróico
ou insignificante. Também no recusar-se
vai construindo o carácter do pobre herói
e a forma de amor que temos pela vida.
Junto: «Paisagem Com Um Viajante Solitário», de Yosa Buson
e «A Árvore Cinzenta», de Mondrian.
0 Comments:
Post a Comment
<< Home