Leitura Matinal -204

A Caverna como fonte dos achados enriquecedores, de todos os achados enriquecedores, com cuja notícia ou dádiva ingenuamente tentamos estimular as amizades, sepultada na mais absoluta incapacidade de
extracção que nos atormenta, de cada vez que abordamos a orla do buraco onde recordamos tais tesouros como probabilidade nada fantasista. Dar com eles secos parece-nos a suprema manifestação da decadência, pouco alertados que estamos para futuros ainda menos promissores. Neste passo intermédio ainda a frescura do apoio permite um relativo alívio, apesar da irremediável diluição da auréola de prestígio da gruta, em cuja magia confiávamos para remoçar a despreocupação e a harmonia exteriores. Sem sabermos, pobres de nós, que o derradeiro passo ainda está para ser dado: quando, avançados ainda mais da idade, dermos primazia sem par a uma ganância desprovida de espírito, originaremos a paroxística evaporação da espiritualidade subterrânea, ocupada pela invasão da técnica, que promovemos a suplente da Alma e das forças de outrora. É o deslizar da frescura para a frieza, estados mediano e derradeiro, respectivamente, da nossa caminhada. Com o perigo adicional de os afazeres que a engrenagem impõe nos privarem do tempo que relembra o Tempo, quer dizer do recurso consolador da memória.
De Yorgos Seferis:

Ainda mais um poço dentro de uma caverna.
Outrora era-nos fácil extrair ídolos e adornos
para se alegrarem os amigos que nos permaneciam ainda fiéis.

As cordas romperam-se; apenas sulcos da boca do poço
nos lembram a nossa felicidade passada:
os dedos no murete, como dizia o poeta.
Os dedos sentem a frescura da pedra um pouco
e o calor do corpo conquista-a
e a caverna joga a sua alma e perde-a
a cada momento, cheia de silêncio, sem uma gota.


A imagem é «O Velho Poço», de Bordighera.