Leitura Matinal -200
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A existência é, por natureza, um acto falhado, na medida em que, revelando totalmente o que o indivíduo sentiu ou fez por sentir, viveu, ou fez por viver, vai sempre procurar a outro lado a significaçãoo que apregoa ter alcançado, mas que inda busca. Assombrada pela temporalidade,vai-se comprazendo em cantar, auto-convencimento
falaz que o próprio e o doutros quer chamar a si, as dores e os êxtases do efémero, este lapso a que não desejaria reconhecer termo, ou princípio - que imagina fatal causa dele. Gostaria de imortalizar o que sabe prestes a dissilver-se, sem ser em representações que celebrem a vida na e para a morte. Mas toda a insistência nas intensidades da passagem vital pela terra não estará condenada a ser empáfia que pretende ostentar contentamento com o que se está sendo e tendo, quando o espírito, revestido da armadura do Desejo Maior e pelo elmo da Procura, arde por encontrar num porvir que é de bom tom escarnecer a imperecível identidade e justificação?
Do jogo que celebra o entretanto desta vida, sempre espreitado pela mais vasta conformação imperecível do sentir pelo Sentido que transcendendo-a a espera podemos acompanhar Henriqueta Lisboa:
ENTREMENTES
Entrementes se pavoneiam
as cousas precárias:
o gracioso episódio
com suas centelhas
verde-azul metálico
o prematuro debulhar
de espigas.
Entrementes pingam
na ampulheta
a gota de veneno
.......a gota dágua
..............a gota de mel.
O coração quisera amor
o espírito, claridade,
mas o corpo enlanguesce.
Degusta-se e dissolve-se
entre o palato e a língua
a pastilha
..........entrementes.
O ar é tépido, não admite dúvidas.
Grita uma voz na esquina: Aqui!
Responde o coro circular: Agora!
E o burburinho se faz bronze
enfunam-se estandartes ao vento
a fé remove montanhas
descem de seu topo as árvores
coalham-se as praças de peças
para todas as intempéries:
colunas
.......máquinas
...............lantejoulas.
Entrementes
...........alguém pergunta:
Será só isso
............o dia a noite
............o beijo a maledicência
............a música intervalar a inópia
............de nome angústia?
Porém antes porém depois!
esse prurido
viverá tão-só no relâmpago
entre dois pólos
................- berço e túmulo?
Ah!que entrementes
seria colher uma flor
sem a haver concebido sob a terra
nem permitir que ela se faça fruto.
Nomear a estrela solitária
vinda de não se sabe que mundos
para ignorados destinos.
Ser (ou não ser) entre parêntesis
- blandiciosa bravata
.............destituída de essência.
A segunda imagem é «Vanitas, Caveira e Ampulheta», de
Philippe de Champaigne.
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A existência é, por natureza, um acto falhado, na medida em que, revelando totalmente o que o indivíduo sentiu ou fez por sentir, viveu, ou fez por viver, vai sempre procurar a outro lado a significaçãoo que apregoa ter alcançado, mas que inda busca. Assombrada pela temporalidade,vai-se comprazendo em cantar, auto-convencimento
falaz que o próprio e o doutros quer chamar a si, as dores e os êxtases do efémero, este lapso a que não desejaria reconhecer termo, ou princípio - que imagina fatal causa dele. Gostaria de imortalizar o que sabe prestes a dissilver-se, sem ser em representações que celebrem a vida na e para a morte. Mas toda a insistência nas intensidades da passagem vital pela terra não estará condenada a ser empáfia que pretende ostentar contentamento com o que se está sendo e tendo, quando o espírito, revestido da armadura do Desejo Maior e pelo elmo da Procura, arde por encontrar num porvir que é de bom tom escarnecer a imperecível identidade e justificação?
Do jogo que celebra o entretanto desta vida, sempre espreitado pela mais vasta conformação imperecível do sentir pelo Sentido que transcendendo-a a espera podemos acompanhar Henriqueta Lisboa:
ENTREMENTES
Entrementes se pavoneiam
as cousas precárias:
o gracioso episódio
com suas centelhas
verde-azul metálico
o prematuro debulhar
de espigas.
Entrementes pingam
na ampulheta
a gota de veneno
.......a gota dágua
..............a gota de mel.
O coração quisera amor
o espírito, claridade,
mas o corpo enlanguesce.
Degusta-se e dissolve-se
entre o palato e a língua
a pastilha
..........entrementes.
O ar é tépido, não admite dúvidas.
Grita uma voz na esquina: Aqui!
Responde o coro circular: Agora!
E o burburinho se faz bronze
enfunam-se estandartes ao vento
a fé remove montanhas
descem de seu topo as árvores
coalham-se as praças de peças
para todas as intempéries:
colunas
.......máquinas
...............lantejoulas.
Entrementes
...........alguém pergunta:
Será só isso
............o dia a noite
............o beijo a maledicência
............a música intervalar a inópia
............de nome angústia?
Porém antes porém depois!
esse prurido
viverá tão-só no relâmpago
entre dois pólos
................- berço e túmulo?
Ah!que entrementes
seria colher uma flor
sem a haver concebido sob a terra
nem permitir que ela se faça fruto.
Nomear a estrela solitária
vinda de não se sabe que mundos
para ignorados destinos.
Ser (ou não ser) entre parêntesis
- blandiciosa bravata
.............destituída de essência.
A segunda imagem é «Vanitas, Caveira e Ampulheta», de
Philippe de Champaigne.
1 Comments:
At 10:56 AM, Anonymous said…
200 gotas de mel
para agradecer
200 momentos magnificentes
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