Invisibilidade de uma Teoria
Leitura do volume de José Gil «SALAZAR: A RETÓRICA DA
INVISIBILIDADE». Trata-se de um livro bem arquitectado, que
merece atenção, mas, quanto a mim, chega a uma tese sem
correspondência com a realidade. Isto porque não há diferença de
essencialidade entre a retórica de Salazar e a de políticos de
outros quadrantes.
Ao contrário do que o Autor defende, o discurso de Salazar não é
nem mais nem menos invisível que o dos outros. É uma visibilidade
diferente, que procura impressionar no tempo, que não espacialmente.
No período a que, cautelosamente, a focagem do livro se limita não
havia televisão no nosso País. Donde, qualquer retórica se incluiria
ou no domínio do exibido em comícios, como no do contado por jornais,
de um lado, ou no âmbito do ouvido na rádio, ou do lido. É nesta
dimensão que se insere, cooerentemente com o «Estado de Obras» que
também queria fundamentar. É um discurso de edificação doutrinal, no
caso, contraposto aos que procuram exclusivamente o triunfo de um
argumento sobre o do adversário. Não devemos dar demasiada atenção
à invectivação da tradição tribunícia da Primeira República, já que,
como bem temos presente, nos regimes parlamentares a argumentação
do outro é, também ela, despromovida a truque, chicana, e ao carácter
oco. Nenhum traço distintivo, pois.
Há incompreensão do que o Estadista de Santa Comba espera levar os
seus destinatários a fazerem. Não queria - como defende o Autor - que
eles, emergindo das proscritas multidões, apagassem a sua específica
individualidade. Queria-se era que eles se afirmassem como pessoas e
voz (dizia-se chefe) das suas famílias, ou seja, que morigerassem
o seu individualismo, não sendo a Família apenas uma entidade algo
colaboracionista com a aceitabilidade do regime.
O tema da «Salvação» está também presente em todos os discursos
políticos:
No liberalismo era a redenção do obscurantismo assimilado à Inquisição,
essa lenda negra da atrofia dos espíritos. O republicanismo histórico
começou com a «decadência sob os Braganças» e, como não tivesse com
tão pouco conseguido impressionar as gentes, transferiu-se de armas e
bagagens para o «perigo da perda das Colónias», de que «nos viria, com
alegria e vontade, livrar». O regime vigente saiu da proposta, mais
modesta, de acabar com o isolamento luso decorrente da situação do
Ultramar e ainda hoje com ele se legitima.
Em sacrifício todos os regimes falam. Governo sim, governo sim, na
véspera de aumentarem os impostos. Do de sangue, os governantes
republicanos da União Sagrada, quando empurraram para a Flandres
pobres tropas sem preparação. E quanto aos governantes, quem não
ouviu já os notáveis deste tempo queixando-se dos rios de dinheiro
que deixam de ganhar para estarem nos ministérios? Claro que no
caso salazarista foi a própria vida familiar, mas isso é mero grau,
cada um sacrifica o que pode.
Todas as ideologias que chegam ao governo pedem ao indivíduo que
deixe de pensar na sua exclusiva satisfação, em prol de uma ideia
colectiva mobilizadora. Seja ela a classe, a raça, a nação, a
produção de riqueza, ou, na versão moderada de hoje, a iniciativa
empresarial e a solidariedade social. As diferenças devem procurar-
-se em quem elas excluem, não em diversidades de inclusão.
A Retórica de Salazar só se diferencia da de muitos outros políticos
num único ponto: é uma retórica de construção que aponta para
as adesões, enquanto que aquelas a que estamos mais habituados
são retóricas de competição que miram votos.
INVISIBILIDADE». Trata-se de um livro bem arquitectado, que
merece atenção, mas, quanto a mim, chega a uma tese sem
correspondência com a realidade. Isto porque não há diferença de
essencialidade entre a retórica de Salazar e a de políticos de
outros quadrantes.
Ao contrário do que o Autor defende, o discurso de Salazar não é
nem mais nem menos invisível que o dos outros. É uma visibilidade
diferente, que procura impressionar no tempo, que não espacialmente.
No período a que, cautelosamente, a focagem do livro se limita não
havia televisão no nosso País. Donde, qualquer retórica se incluiria
ou no domínio do exibido em comícios, como no do contado por jornais,
de um lado, ou no âmbito do ouvido na rádio, ou do lido. É nesta
dimensão que se insere, cooerentemente com o «Estado de Obras» que
também queria fundamentar. É um discurso de edificação doutrinal, no
caso, contraposto aos que procuram exclusivamente o triunfo de um
argumento sobre o do adversário. Não devemos dar demasiada atenção
à invectivação da tradição tribunícia da Primeira República, já que,
como bem temos presente, nos regimes parlamentares a argumentação
do outro é, também ela, despromovida a truque, chicana, e ao carácter
oco. Nenhum traço distintivo, pois.
Há incompreensão do que o Estadista de Santa Comba espera levar os
seus destinatários a fazerem. Não queria - como defende o Autor - que
eles, emergindo das proscritas multidões, apagassem a sua específica
individualidade. Queria-se era que eles se afirmassem como pessoas e
voz (dizia-se chefe) das suas famílias, ou seja, que morigerassem
o seu individualismo, não sendo a Família apenas uma entidade algo
colaboracionista com a aceitabilidade do regime.
O tema da «Salvação» está também presente em todos os discursos
políticos:
No liberalismo era a redenção do obscurantismo assimilado à Inquisição,
essa lenda negra da atrofia dos espíritos. O republicanismo histórico
começou com a «decadência sob os Braganças» e, como não tivesse com
tão pouco conseguido impressionar as gentes, transferiu-se de armas e
bagagens para o «perigo da perda das Colónias», de que «nos viria, com
alegria e vontade, livrar». O regime vigente saiu da proposta, mais
modesta, de acabar com o isolamento luso decorrente da situação do
Ultramar e ainda hoje com ele se legitima.
Em sacrifício todos os regimes falam. Governo sim, governo sim, na
véspera de aumentarem os impostos. Do de sangue, os governantes
republicanos da União Sagrada, quando empurraram para a Flandres
pobres tropas sem preparação. E quanto aos governantes, quem não
ouviu já os notáveis deste tempo queixando-se dos rios de dinheiro
que deixam de ganhar para estarem nos ministérios? Claro que no
caso salazarista foi a própria vida familiar, mas isso é mero grau,
cada um sacrifica o que pode.
Todas as ideologias que chegam ao governo pedem ao indivíduo que
deixe de pensar na sua exclusiva satisfação, em prol de uma ideia
colectiva mobilizadora. Seja ela a classe, a raça, a nação, a
produção de riqueza, ou, na versão moderada de hoje, a iniciativa
empresarial e a solidariedade social. As diferenças devem procurar-
-se em quem elas excluem, não em diversidades de inclusão.
A Retórica de Salazar só se diferencia da de muitos outros políticos
num único ponto: é uma retórica de construção que aponta para
as adesões, enquanto que aquelas a que estamos mais habituados
são retóricas de competição que miram votos.
7 Comments:
At 12:54 PM, JFC said…
olha, pq é q dizes q estás enjaulado? ninguém está enjaulado nesta vida! Queres vir a Ibiza? Se sim, diz qq coisa. bjs
At 1:40 PM, O Corcunda said…
Fraquinho, fraquinho, esse livro! É a conversa do costume, que tenta fazer passar Salazar como um mero calculador de centros, como um utilitarista que procura nos apoios populares a fonte do seu discurso e acção! É absolutamente falso e uma visão obtusa...
Ah! Eu ia...
At 1:44 PM, vs said…
Salazar era um político como os outros.
Nothing more, nothing less.
At 2:25 PM, Flávio Santos said…
Numa era de relativismos, tipo "todos (os políticos) diferentes, todos iguais", mais do que injustiças cometem-se puros disparates comparativos.
Goste-se ou não, a retórica salazarista procurava efectivamente adesões mas num quadro de interesse nacional que nunca se confundia com o interesse individual da classe política. O lema era servir e não servir-se. Se isto não é uma diferença de vulto não sei o que será.
At 3:09 PM, O Corcunda said…
É óbvio que só se pode fazer política através do compromisso! A isso chama-se prudência... O que não significa que se faça política sem motivações últimas superiores ao interesse individual!
O Nelson coloca tudo ao mesmo nível, como é apanágio das visões ideológicas que consideram ter encontrado a razão última das motivações humanas!
Quem duvidar da existência no pensamento de Salazar de uma concepção moral e filosófico-política é ou ignorante ou mal-intencionado...
At 6:46 PM, Paulo Cunha Porto said…
À Passarinha: Bem-vinda a este antro. Espero que haja muito mais visitas. A razão da jaula foi explicada no primeiro "post" do blogue, mas, desenvolvendo, isto é como um jardim zoológico onde o público vem visitar a fera que sabe cá encontrar. Não queria eu outra coisa que Ibiza, porém a vida é tão difícil...
Mts. Bjs.
At 6:58 PM, Paulo Cunha Porto said…
Ao Corcunda e ao FG Santos:
O livro pareceu-me engenhoso, nas voltas que dá à realidade para a adequar à tese, que me dá ideia de ter precedido o estudo. Mas, posto isto, é completamente artificioso quer nos desígnios que atribui a Salazar, quer na própria ideia que transmite da sociedade portuguesa do Século XX. Então quando fala no papel da Família e na visão e utilização da História de Portugal
é de bradar aos Céus!
Como resulta das vossas posições, que faço minhas, o Velho António foi visto como se um político de sistemas eleiçoeiros se tratasse no que convinha - as pretensas artimanhas tácticas; e forçadamente separado do que todos fazem, como digo no "post", para o que se pudesse arrebanhar à tese. Que não tem base de facto.
Os Vossos contributos foram preciosos.
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