Leitura Matinal -185
Será a possibilidade de magoar os outros o único risco do Orgulho?
Poder-se-ia aduzir que, fundamentado, daria ao espírito a
dose de segurança e de liberdade que permitisse a suave
disponibilidade para olhar o mundo. O problema maior está
em, quando impera a predisposição de fazer coincidir com uma
imagem alterada, ainda que para mais, se correr o risco de não
procurar já o labor de fruição e interpretação que espelhe a
complexidade envolvente. Antes, bem pelo contrário, de querer
transformar essa globalidade no espelho obediente que corrobore
a ambição de nós. Mas ainda que se recorra á vergastada existencial
do reconhecimento das desconformidades entre o querido e o
obtido, a Vida ficará sempre aquém, na medida dessa mortal
incapacidade de sentir que leva á transformação de Ecos em ecos.
Num excelente poema, de 1916, com filosóficas faúlhas,
pelo hoje quase anónimo António Ferreira Monteiro:
CANTO DO ORGULHO
Sou Narciso: orgulhoso
Espelho em longes d´Alma a minha Imagem!...
Retrato-me em beleza etherea, e ouso
Fundir comigo a Alma da Paizagem.
Co´a noite me confundo,
- A minha dôr escura que alumia!
E se o rosto de lágrimas inundo,
Sinto raiar cá dentro um novo dia.
Vivo longe da turba
A elevar a centelha que me ascende!
Traço dentro de mim a minha curva,
Vejo-me longe, num logar que explende...
Perco-me a duvidar,
Humilde desço abaixo do que sou!
E ás ancias febris de me elevar
É divino o fervor com que me dou!
Que eu beijo a minha bôca,
Beijo em volupia a bôca do meu querer,
Para que ela, dos meus beijos louca,
Dê ás asas a ordem de ascender!...
E assim, sou Narciso:
Dou-me de amor á minha Imagem bela!
E possuo cá dentro o Paraíso
Que me aponta distante a minha estrela!...
Vivo de reflectir-me,
- A vida é para mim um grande espelho!
Falo baixo, sósinho, para ouvir-me,
E excelso-me ao vêr que me assemelho.
Sofro para ser Eu,
E vejo-me diferente do que sou...
A chama que em meu sangue se acendeu
O algoz de mim proprio me tornou!
Unica realidade
- Existo porque sinto a dôr de ser!
Sou a garra sedenta da Anciedade,
O Desejo imortal de me exceder!
Olho-me bem de frente:
Eis-me divina, ideal contemplação!
Alma a aspirar, busco a chimera ardente
- De ser igual á minha Aspiração!
Amoroso de mim,
Vivo a adorar meu sonho inviolado...
Adoro-me sem me possuir, e assim
Serei como Narciso insaciado!
Poder-se-ia aduzir que, fundamentado, daria ao espírito a
dose de segurança e de liberdade que permitisse a suave
disponibilidade para olhar o mundo. O problema maior está
em, quando impera a predisposição de fazer coincidir com uma
imagem alterada, ainda que para mais, se correr o risco de não
procurar já o labor de fruição e interpretação que espelhe a
complexidade envolvente. Antes, bem pelo contrário, de querer
transformar essa globalidade no espelho obediente que corrobore
a ambição de nós. Mas ainda que se recorra á vergastada existencial
do reconhecimento das desconformidades entre o querido e o
obtido, a Vida ficará sempre aquém, na medida dessa mortal
incapacidade de sentir que leva á transformação de Ecos em ecos.
Num excelente poema, de 1916, com filosóficas faúlhas,
pelo hoje quase anónimo António Ferreira Monteiro:
CANTO DO ORGULHO
Sou Narciso: orgulhoso
Espelho em longes d´Alma a minha Imagem!...
Retrato-me em beleza etherea, e ouso
Fundir comigo a Alma da Paizagem.
Co´a noite me confundo,
- A minha dôr escura que alumia!
E se o rosto de lágrimas inundo,
Sinto raiar cá dentro um novo dia.
Vivo longe da turba
A elevar a centelha que me ascende!
Traço dentro de mim a minha curva,
Vejo-me longe, num logar que explende...
Perco-me a duvidar,
Humilde desço abaixo do que sou!
E ás ancias febris de me elevar
É divino o fervor com que me dou!
Que eu beijo a minha bôca,
Beijo em volupia a bôca do meu querer,
Para que ela, dos meus beijos louca,
Dê ás asas a ordem de ascender!...
E assim, sou Narciso:
Dou-me de amor á minha Imagem bela!
E possuo cá dentro o Paraíso
Que me aponta distante a minha estrela!...
Vivo de reflectir-me,
- A vida é para mim um grande espelho!
Falo baixo, sósinho, para ouvir-me,
E excelso-me ao vêr que me assemelho.
Sofro para ser Eu,
E vejo-me diferente do que sou...
A chama que em meu sangue se acendeu
O algoz de mim proprio me tornou!
Unica realidade
- Existo porque sinto a dôr de ser!
Sou a garra sedenta da Anciedade,
O Desejo imortal de me exceder!
Olho-me bem de frente:
Eis-me divina, ideal contemplação!
Alma a aspirar, busco a chimera ardente
- De ser igual á minha Aspiração!
Amoroso de mim,
Vivo a adorar meu sonho inviolado...
Adoro-me sem me possuir, e assim
Serei como Narciso insaciado!
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