Leitura Matinal -150
A decadência é um fenómeno estranho. Bourget, que foi em
tempos tido por águia e hoje é encarado como não acima da
galinha, dizia que ela se verificava quando as partes de um
corpo, ou de um texto - que era o que lhe interessava - se
remetiam ao desempenho de funções que apenas servissem
à sua individualidade, que não já ao todo em que, supostamente,
se integravam.
Assim, no que aos complexos sociais respeita, muitos a encontraram
a obsessão pelos prazeres pessoais, que impedisse o cumprimento de
um dever para com a comunidade. Mas outros descobriraram o mais
extremado traço decadentista na pura apatia, que não só obsta a que
se exerça uma função social, mas, viralmente, estagna a própria
agudez crítica, a tentativa de compreensão dos enigmas e das
motivações da vida. Entre os tontinhos da acção que a identificam
com o acto de reflectir e os fanáticos eternizadores da dúvida que
se anestesiam ao ponto de erradicarem uma opção actuante, ela,
paradoxalmente, também já fez os seus estragos. Nuns, porque lhes
adormeceu a consciência, no sentido de lucidez, que lhes permitisse
ver a inoportunidade e inconveniência de muitas iniciativas; nos
outros porque os tornou impotentes para descortinar bem e mal,
e não podendo agir em consequência dessa distinção, posta fora do
seu alcance, outrossim inconscientes se mostraram.
Muito ao gosto da transição do Século XIX para o XX, temos, de
Sousa Viterbo:
LETHARGIA
Dizem que vem rompendo a madrugada
E que tudo sorri alegremente,
Como se despontasse do Oriente
Um vulto suavissimo de fada.
Ouve-se na floresta embalsamada
O cantico dos pasaros fremente
E do ribeiro a limpida corrente
Oscula os pés da natureza amada.
Tudo, tudo palpita, e sem embargo
Sinto apenas o vacuo da existência
num fundo abysmo, cada vez mais largo.
Vou cahindo, cahindo em somnolência,
Até que fique, em último lethargo,
Adormecida a minha consciência
tempos tido por águia e hoje é encarado como não acima da
galinha, dizia que ela se verificava quando as partes de um
corpo, ou de um texto - que era o que lhe interessava - se
remetiam ao desempenho de funções que apenas servissem
à sua individualidade, que não já ao todo em que, supostamente,
se integravam.
Assim, no que aos complexos sociais respeita, muitos a encontraram
a obsessão pelos prazeres pessoais, que impedisse o cumprimento de
um dever para com a comunidade. Mas outros descobriraram o mais
extremado traço decadentista na pura apatia, que não só obsta a que
se exerça uma função social, mas, viralmente, estagna a própria
agudez crítica, a tentativa de compreensão dos enigmas e das
motivações da vida. Entre os tontinhos da acção que a identificam
com o acto de reflectir e os fanáticos eternizadores da dúvida que
se anestesiam ao ponto de erradicarem uma opção actuante, ela,
paradoxalmente, também já fez os seus estragos. Nuns, porque lhes
adormeceu a consciência, no sentido de lucidez, que lhes permitisse
ver a inoportunidade e inconveniência de muitas iniciativas; nos
outros porque os tornou impotentes para descortinar bem e mal,
e não podendo agir em consequência dessa distinção, posta fora do
seu alcance, outrossim inconscientes se mostraram.
Muito ao gosto da transição do Século XIX para o XX, temos, de
Sousa Viterbo:
LETHARGIA
Dizem que vem rompendo a madrugada
E que tudo sorri alegremente,
Como se despontasse do Oriente
Um vulto suavissimo de fada.
Ouve-se na floresta embalsamada
O cantico dos pasaros fremente
E do ribeiro a limpida corrente
Oscula os pés da natureza amada.
Tudo, tudo palpita, e sem embargo
Sinto apenas o vacuo da existência
num fundo abysmo, cada vez mais largo.
Vou cahindo, cahindo em somnolência,
Até que fique, em último lethargo,
Adormecida a minha consciência
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