Leitura Matinal -80
A humildade não tem direito de cidade no ânimo
do escritor. Maxime quando é poeta. Não apenas por
só publicar quem julga ter algo que valha a pena,
mas mais, porque cônscio da manipulação de estados
de espírito que é capaz de operar em Quem lê. Nesta
onda, o problema da autenticidade, também do famoso
poema de Pessoa, poderia colocar a questão do direito
ao afecto do receptor, independentemente da admiração que
pudesse suscitar uma pura mestria técnica envolta em
artificialismo.
Mas há um outro aspecto que redime. É o escrevente
acreditar que cada verso tem uma existência autónoma de
si, que a inspiração vem de fora para, num momento único,
lhe permitir exercer a função de compilador-moldador do
poema. E desta modéstia do apagamento da "pluma" que se
veja como o terreno em que o Mais Alto lavrou, por um
lado, e o metal que se fundirá na liga com os sentimentos
do Leitor, por outro, dispara em direcção à pura grandeza.
Ficai com Pedro Homem de Mello
NAUFRÁGIO
Agarro os versos pelo cachaço
Como se fossem lobos vadios
Uns são gaivotas; outros são rios.
Outros são águias altas que abraço.
E quantas vezes cuido (ai! de mim)
Que ficam vivos na minha ideia
E, prisioneiros, quando por fim
Nem mesmo a sombra já nos rodeia!
E corro, corro, corro a salvá-los
Da escuridão do anonimato...
Galopam, longe, negros cavalos...
E um nó me aperta que não desato.
Tudo o que passa nunca mais volta
Se chega a sorte, vem distraída.
Há embuçados na minha escolta...
E é de palavras que é feita a vida!
Dai-me cá papel, papel e tinta!
Deixai que eu traga dor e prazer!
Deixai que eu chore, deixai que eu minta,
Mas que eu não morra sem o dizer.
do escritor. Maxime quando é poeta. Não apenas por
só publicar quem julga ter algo que valha a pena,
mas mais, porque cônscio da manipulação de estados
de espírito que é capaz de operar em Quem lê. Nesta
onda, o problema da autenticidade, também do famoso
poema de Pessoa, poderia colocar a questão do direito
ao afecto do receptor, independentemente da admiração que
pudesse suscitar uma pura mestria técnica envolta em
artificialismo.
Mas há um outro aspecto que redime. É o escrevente
acreditar que cada verso tem uma existência autónoma de
si, que a inspiração vem de fora para, num momento único,
lhe permitir exercer a função de compilador-moldador do
poema. E desta modéstia do apagamento da "pluma" que se
veja como o terreno em que o Mais Alto lavrou, por um
lado, e o metal que se fundirá na liga com os sentimentos
do Leitor, por outro, dispara em direcção à pura grandeza.
Ficai com Pedro Homem de Mello
NAUFRÁGIO
Agarro os versos pelo cachaço
Como se fossem lobos vadios
Uns são gaivotas; outros são rios.
Outros são águias altas que abraço.
E quantas vezes cuido (ai! de mim)
Que ficam vivos na minha ideia
E, prisioneiros, quando por fim
Nem mesmo a sombra já nos rodeia!
E corro, corro, corro a salvá-los
Da escuridão do anonimato...
Galopam, longe, negros cavalos...
E um nó me aperta que não desato.
Tudo o que passa nunca mais volta
Se chega a sorte, vem distraída.
Há embuçados na minha escolta...
E é de palavras que é feita a vida!
Dai-me cá papel, papel e tinta!
Deixai que eu traga dor e prazer!
Deixai que eu chore, deixai que eu minta,
Mas que eu não morra sem o dizer.
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