Leitura Matinal -101
Muitos poemas foram feitos, aguns dos quais bons,
explorando o filão da irreverência que, através
do inesperado ou da contestação das entranhadas
rotinas e convenções da sociedade, procura fugir
à monotonia do academismo ou do bom comportamento.
Viciados na preocupação de «épater le bourgeois»,
não reparam os artistas dessa tendência que formam
um novo cânone; ou, se reparam, fingem não notar
que, por muito que a leitura de uma ou outra das
melhores produções do género constitua uma lufada de
ar fresco na vida intelectual dum amador das artes e
das letras, a superficialidade das motivações e a
ligeireza aparente das concretizações pode conduzir
a um novo cansaço. Querendo eximir-se à tirania da
lógica e das regras, opiando-se com o onirismo ou
com a infantilidade e a contradição, os surrealistas,
por exemplo, com o propósito de fugir aos espartilhos
que viam condicionar os restantes artistas, acabaram
por cair na contingência da submissão ou alforria do
mais obsessor dos donos: Breton.
Mas, de quando em quando, sabe bem ler alguma coisa
enquadrável neste espírito de fuga. De António Maria
Lisboa,
PROJECTO DE SUCESSÃO
Continuar aos saltos até ultrapassar a Lua
continuar deitado até se destruir a cama
permanecer de pé até a polícia vir
permanecer sentado até que o pai morra
Arrancar os cabelos e não morrer numa rua solitária
amar continuamente a posição vertical
e continuamente fazer ângulos rectos
Gritar da janela até que a vizinha ponha as mamas de fora
por-se nu em casa até a escultora dar o sexo
fazer gestos no café até espantar a clientela
pregar sustos nas esquinas até que uma velhinha caia
contar histórias obscenas uma noite em família
narrar um crime perfeito a um adolescente loiro
beber um copo de leite e misturar-lhe nitro-glicerina
deixar fumar um cigarro só até meio
Abrirem-se covas e esquecerem-se os dias
beber-se por um copo de oiro e sonharem-se Índias.
explorando o filão da irreverência que, através
do inesperado ou da contestação das entranhadas
rotinas e convenções da sociedade, procura fugir
à monotonia do academismo ou do bom comportamento.
Viciados na preocupação de «épater le bourgeois»,
não reparam os artistas dessa tendência que formam
um novo cânone; ou, se reparam, fingem não notar
que, por muito que a leitura de uma ou outra das
melhores produções do género constitua uma lufada de
ar fresco na vida intelectual dum amador das artes e
das letras, a superficialidade das motivações e a
ligeireza aparente das concretizações pode conduzir
a um novo cansaço. Querendo eximir-se à tirania da
lógica e das regras, opiando-se com o onirismo ou
com a infantilidade e a contradição, os surrealistas,
por exemplo, com o propósito de fugir aos espartilhos
que viam condicionar os restantes artistas, acabaram
por cair na contingência da submissão ou alforria do
mais obsessor dos donos: Breton.
Mas, de quando em quando, sabe bem ler alguma coisa
enquadrável neste espírito de fuga. De António Maria
Lisboa,
PROJECTO DE SUCESSÃO
Continuar aos saltos até ultrapassar a Lua
continuar deitado até se destruir a cama
permanecer de pé até a polícia vir
permanecer sentado até que o pai morra
Arrancar os cabelos e não morrer numa rua solitária
amar continuamente a posição vertical
e continuamente fazer ângulos rectos
Gritar da janela até que a vizinha ponha as mamas de fora
por-se nu em casa até a escultora dar o sexo
fazer gestos no café até espantar a clientela
pregar sustos nas esquinas até que uma velhinha caia
contar histórias obscenas uma noite em família
narrar um crime perfeito a um adolescente loiro
beber um copo de leite e misturar-lhe nitro-glicerina
deixar fumar um cigarro só até meio
Abrirem-se covas e esquecerem-se os dias
beber-se por um copo de oiro e sonharem-se Índias.
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