Leitura Matinal - 21
Pairam ameaças várias sobre todo aquele que pretende seguir
os caminhos do misantropismo. Mesmo que, umas face às
outras, tenham sinal contrário.
Um perigo grave é cair na viciação,ou seja, num ensimesmamento
acéfalo que abstraia do Mundo, conducente à insensibilidade rude e
abjecta, que resulta do indigente estado de espírito em que se deixa
de prestar atenção ao que nos rodeia.
Outro, no polo oposto, é a tentação de desistir, o estado de fraqueza
a que a solidão do raciocínio e das escolhas impopulares pode levar,
com a concomitante ânsia de arrepiar caminho e a possibilidade de
redundar num desespero fragilizante, à beira das mais radicais das
desistências, similar ao pintado por José Régio em
SOLUÇO NA NOITE
Piedade, vento! Cala essa canção soturna
Uivando ao longo dessa interminável furna...
Cala-te! eu fico a ouvir-te e a ouvir-me em teu lamento,
E vou contigo, atrás do meu fadário, vento!
Mas sobre a grande, velha e rude casa, rouco,
O vento sarabanda o seu bailado louco,
E o casarão, que estala em plena escuridade,
Lembra uma velha nau entregue à tempestade...
Piedade, vento! Em vão me encolho neste leito!
Levas atrás de ti meu pobre ser desfeito...
E em trapos, já sou eu, já não és tu quem chora
Por esses becos ruins, por essa noite fora...
Mas a janela treme, o sonho geme, e a chuva
Contra as vidraças bate os negros véus de viúva,
Estorce a cabeleira, ergue caudais de lágrimas,
E quantas aflições eu tento arredar, abre-mas...
Piedade, chuva! Eu sei que não resistiria
A um não sei quê de imenso, e informe, que me espia,
(O medo da loucura ou o simples Medo!) só
No meu palácio em ruína alcatifado a pó...
Mas sobre a grande, velha e rude casa, crescem
As bátegas dum mar que os ventos enfurecem,
E, de roldão, em mim, do abismo das idades,
Vêm à tona avós gritar nas tempestades...
Piedade, chuva! Inerme ao fundo deste quarto,
Eu já nem sou senão o mal que herdei de parto:
Sangue de santos, vis, aflitos, doidos...,-côro
Que se me evoca, chuva, em teu medonho choro...
Mas pelos muros nus escorre a chuva, alaga
O quarto em que agonizo, e a pouco e pouco, vaga,
A Sombra que me espreita e me persegue-avança
A imensa espectral mão na noite sem esperança...
Piedade, noite! Abrindo a imensa espectral mão
Que me sufoca como a tampa dum caixão,
Aquela Sombra agarra a tua sombra e vem
Sugar-me em seu feroz tentáculo de além...
Mas sobre a grande, velha e rude casa, a noite
Só solidão me dá por seio a que me acoite,
E eu luto sem saber com quê, com quem, eu morro
Sabendo que ninguém me há-de vir dar socorro...
Ora que mal!, que mal fiz eu à vida, aos céus,
Aos homens meus irmãos, à natureza, a Deus,
Para que lute assim a vida inteira, só
No meu palácio em ruína alcatifado a pó?
os caminhos do misantropismo. Mesmo que, umas face às
outras, tenham sinal contrário.
Um perigo grave é cair na viciação,ou seja, num ensimesmamento
acéfalo que abstraia do Mundo, conducente à insensibilidade rude e
abjecta, que resulta do indigente estado de espírito em que se deixa
de prestar atenção ao que nos rodeia.
Outro, no polo oposto, é a tentação de desistir, o estado de fraqueza
a que a solidão do raciocínio e das escolhas impopulares pode levar,
com a concomitante ânsia de arrepiar caminho e a possibilidade de
redundar num desespero fragilizante, à beira das mais radicais das
desistências, similar ao pintado por José Régio em
SOLUÇO NA NOITE
Piedade, vento! Cala essa canção soturna
Uivando ao longo dessa interminável furna...
Cala-te! eu fico a ouvir-te e a ouvir-me em teu lamento,
E vou contigo, atrás do meu fadário, vento!
Mas sobre a grande, velha e rude casa, rouco,
O vento sarabanda o seu bailado louco,
E o casarão, que estala em plena escuridade,
Lembra uma velha nau entregue à tempestade...
Piedade, vento! Em vão me encolho neste leito!
Levas atrás de ti meu pobre ser desfeito...
E em trapos, já sou eu, já não és tu quem chora
Por esses becos ruins, por essa noite fora...
Mas a janela treme, o sonho geme, e a chuva
Contra as vidraças bate os negros véus de viúva,
Estorce a cabeleira, ergue caudais de lágrimas,
E quantas aflições eu tento arredar, abre-mas...
Piedade, chuva! Eu sei que não resistiria
A um não sei quê de imenso, e informe, que me espia,
(O medo da loucura ou o simples Medo!) só
No meu palácio em ruína alcatifado a pó...
Mas sobre a grande, velha e rude casa, crescem
As bátegas dum mar que os ventos enfurecem,
E, de roldão, em mim, do abismo das idades,
Vêm à tona avós gritar nas tempestades...
Piedade, chuva! Inerme ao fundo deste quarto,
Eu já nem sou senão o mal que herdei de parto:
Sangue de santos, vis, aflitos, doidos...,-côro
Que se me evoca, chuva, em teu medonho choro...
Mas pelos muros nus escorre a chuva, alaga
O quarto em que agonizo, e a pouco e pouco, vaga,
A Sombra que me espreita e me persegue-avança
A imensa espectral mão na noite sem esperança...
Piedade, noite! Abrindo a imensa espectral mão
Que me sufoca como a tampa dum caixão,
Aquela Sombra agarra a tua sombra e vem
Sugar-me em seu feroz tentáculo de além...
Mas sobre a grande, velha e rude casa, a noite
Só solidão me dá por seio a que me acoite,
E eu luto sem saber com quê, com quem, eu morro
Sabendo que ninguém me há-de vir dar socorro...
Ora que mal!, que mal fiz eu à vida, aos céus,
Aos homens meus irmãos, à natureza, a Deus,
Para que lute assim a vida inteira, só
No meu palácio em ruína alcatifado a pó?
0 Comments:
Post a Comment
<< Home