O Homem Sem Disfarce
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A 2 de Julho de 1816 deu-se o mais conciso resumo do que o homem é, se removermos a máscara da civilidade ajustada para a vida social e a da abstenção do crime com o mero receio da pena. Foi o naufrágio da Méduse. Ernst Jünger falava frequentemente da ironia de terem sido vitimados pelo desaparecimento no mar alguns dos que, sobranceiramente, eram dados como inafundáveis navios. No nosso caso tratava-se da mais moderna e bela fragata da Armada Francesa, transportando um governador nomeado e o seu séquito ao Senegal devolvido à França, após outra loucura, a napoleónica. Arrombado por um rochedo, o pânico fez evacuar o vaso, não sem lá deixar 17 marinheiros de que ainda sobreviveriam três, após dois meses de inferno. Havendo poucas chalupas e botes de salvamento, 150 pessoas foram postas numa jangada, rebocada por aquelas embarcações. Mas o egoísmo desumano é grande e, para se não atrasarem na chegada à costa, cortaram as amarras do estrado que transportava os desgraçados, deixando-os à deriva durante semanas, o suficiente para provar que não eram melhores do que os outros, através de motins, lançamentos borda fora e canibalismo, dos quais só parcialmente a loucura da sede desculpa. No fim, foram salvos quinze. Gostaria de saber se, no íntimo, cabendo-lhes responsabilidades, acreditariam que a alma poderia vir a ter tanta sorte como a final do corpo.
Géricault pintou o caso assim e bem atacado foi por isso. Porque lembrar a maldade como estado natural do Homem tem o seu preço.
6 Comments:
At 12:03 AM, Anonymous said…
Esse é o estado de maldade do homem. Mas se achas NATURAL que a vida do ser humano se faça em jangadas à deriva...
(nihilistas de merda)
At 8:09 AM, Paulo Cunha Porto said…
Acho maior naturalidade em flutuar sobre um bocado de madeira do que em conformações à hierarquia, e abstenções do crime induzidas por guardas, chicotes e mastros transformáveis em forcas, que garantem a tranquilidade e eficiência de um navio. Sem estes expoentes de civilização, é o que se vê...
At 4:26 PM, Anonymous said…
É verdade. Honremos, por isso, esses expoentes de civilização. Ou voltemos para a selva de onde viemos, como animais que naturalmente somos.
Ou leiam menos Platão.
At 7:30 PM, Paulo Cunha Porto said…
Com a agravante, para nós, de que os outros animais não comeram da Árvore do Conhecimento, sendo portanto inocentes quanto a Bem e Mal.
At 5:11 PM, Anonymous said…
Exactamente. Não dá para voltar atrás. Por isso, ou nos comemos uns aos outros ou lá vamos erguendo uns expoentes de civilização, a ver se conseguimos sobreviver um pouco mais facilmente...
At 6:57 PM, Paulo Cunha Porto said…
Ora bem, que «comermo-nos» só num sentido figurado e quando haja coincidência de vontades!
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