Leitura Matinal -318
Atribuir à puerilidadade o interesse é uma das recorrências mais ao
gosto dos poetas. Como o anseio da paz espiritual. Entendamo-nos, está muito mais espalhado o desejo dela; o que distingue dos espíritos sensíveis que querem ser os versejadores é consumir-se, alternativamente, com o que se não tem. Num tempo, dando crédito excessivo a objectivos a atingir. Noutro, porque enjoados ou esquivos, não importa, ostensivamente prescindindo deles. Quando cada novidade
deixa de o ser, por se julgar muito já ter visto e experimentado, surge o tom dolente que reveza a dor, o proclamado desinteresse pelo que é, pelo que foi, pelo que falhou e pelo que podia ter sido. Todo este indiferentismo equalizador tem uma simplória raiz, o não prestar atenção às condições e bens exteriores, independentemente da parcela de si, nem que satisfação, ou projecção fosse. Criam-se,
pois, as condições para o iniludível esgotamento que é a desistência de aplicação outra que o anúncio público do desinteresse, o qual, à força de ser repetido, faz acreditar em que a irreversível corrida do tempo seja a benigna libertação, tanto mais que, quer por artificialismo da postura, quer por verídica contaminação das desilusões, a apatia se constituiu como o traço ético predominante.
De Mário de Sá-Carneiro, o
ALÉM-TÉDIO
Nada me expira já nada me vive -
Nem a tristeza nem as horas belas.
De as não ter e de nunca vir a tê-las,
Fartam-me até as coisas que não tive.
Como eu quisera, enfim d´alma esquecida,
Dormir em paz num leito d´hospital...
Cansei dentro de mim, cansei a vida
De tanto a divagar em luz irreal.
Outrora imaginei escalar os céus
À força de ambição e nostalgia,
E doente-de-Novo, fui-me Deus
No grande rastro fulvo que me ardia.
Parti. Mas logo regressei à dor,
Pois tudo me ruiu... tudo era igual:
A quimera, cingida, era real,
A própria maravilha tinha cor!
Ecoando-me em silêncio, a noite escura
Baixou-me assim na queda sem remédio;
Eu próprio me traguei na profundura,
Me sequeib todo, endureci de tédio.
E só me resta hoje uma alegria:
É que, de tão iguais e tão vazios,
Os instantes me esvoam dia a dia
Cada vez mais velozes, mais esguios...
Engalanado com «Jovem Quimera», de
Max Ernst, «Noite, Enigma e Nostalgia»,
de Ashile Gorkhy e «Viagem Entediante»,
de Christopher Thomas.
gosto dos poetas. Como o anseio da paz espiritual. Entendamo-nos, está muito mais espalhado o desejo dela; o que distingue dos espíritos sensíveis que querem ser os versejadores é consumir-se, alternativamente, com o que se não tem. Num tempo, dando crédito excessivo a objectivos a atingir. Noutro, porque enjoados ou esquivos, não importa, ostensivamente prescindindo deles. Quando cada novidade
deixa de o ser, por se julgar muito já ter visto e experimentado, surge o tom dolente que reveza a dor, o proclamado desinteresse pelo que é, pelo que foi, pelo que falhou e pelo que podia ter sido. Todo este indiferentismo equalizador tem uma simplória raiz, o não prestar atenção às condições e bens exteriores, independentemente da parcela de si, nem que satisfação, ou projecção fosse. Criam-se,
pois, as condições para o iniludível esgotamento que é a desistência de aplicação outra que o anúncio público do desinteresse, o qual, à força de ser repetido, faz acreditar em que a irreversível corrida do tempo seja a benigna libertação, tanto mais que, quer por artificialismo da postura, quer por verídica contaminação das desilusões, a apatia se constituiu como o traço ético predominante.
De Mário de Sá-Carneiro, o
ALÉM-TÉDIO
Nada me expira já nada me vive -
Nem a tristeza nem as horas belas.
De as não ter e de nunca vir a tê-las,
Fartam-me até as coisas que não tive.
Como eu quisera, enfim d´alma esquecida,
Dormir em paz num leito d´hospital...
Cansei dentro de mim, cansei a vida
De tanto a divagar em luz irreal.
Outrora imaginei escalar os céus
À força de ambição e nostalgia,
E doente-de-Novo, fui-me Deus
No grande rastro fulvo que me ardia.
Parti. Mas logo regressei à dor,
Pois tudo me ruiu... tudo era igual:
A quimera, cingida, era real,
A própria maravilha tinha cor!
Ecoando-me em silêncio, a noite escura
Baixou-me assim na queda sem remédio;
Eu próprio me traguei na profundura,
Me sequeib todo, endureci de tédio.
E só me resta hoje uma alegria:
É que, de tão iguais e tão vazios,
Os instantes me esvoam dia a dia
Cada vez mais velozes, mais esguios...
Engalanado com «Jovem Quimera», de
Max Ernst, «Noite, Enigma e Nostalgia»,
de Ashile Gorkhy e «Viagem Entediante»,
de Christopher Thomas.
2 Comments:
At 1:01 AM, Viajante said…
Do interesse ao indiferentismo?
A apatia final?
Releio:
"quer por artificialismo da postura, quer por verídica contaminação das desilusões, a apatia se constituiu como o traço ético predominante."
Pois,... se um dos traços mais preocupantes é a apatia - seja ela afectiva, social ou política - pode, ainda assim, considerar-se que alguns aspiram à apatia, no sentido da imobilidade interior.
Agora, vê-la como traço ético predominante... complicado! se a ética se age, como o negar o agir pode ser hegemónico?
Percebo a ideia, só a estou a contrariar :) - porque sou renitente à indiferença, e «zangada» com a apatia... que se agrava por ser contagiosa (será?).
E traz um cortejo curiosamente estéril na peugada.
beijos. de proclamado entusiasmo :)
At 10:43 AM, Paulo Cunha Porto said…
Indignada Viajante, pois, era uma concepção heracliteana do "agir". Que não da acção, necesariamente. Hihihihihi! Como as estradas que se queriam todas apontando para Roma, também este problema se reconduz a querer sempre o contrário do que se tem, seja por escassez, ou por sobreabundância. E a experiência acumulada não escapa, vezes sem conta, à regra, dando lugar ao aborrecimento dela.
Como beijar Pessoa Tão Militante?
Não sei bem, mas considerai efectuada a tentativa.
Post a Comment
<< Home