Leitura Matinal -296
Nem sempre é assim, mas é-o muitas vezes. A certeza que dá o sonho
daquele que se consegue resguardar dos contactos cortantes do Real, por via da solidão em que se barrica, ergue a realidade do produto da sua cisma, a qual originará mundos belos, por onde flutuar não custa, que a lei da gravidade não tem lugar nesses privilegiados universos interiores de satisfação.
Satisfação? Pode lá o Homem consegui-la? Quando está inserido, procura a solidão. Quando se derrama nas delícias dela, ou invasões exteriores, ou a sua própria vontade, hão-de acabar por impeli-lo para contactos com elementos que o façam duvidar da excelência de continuar a voar nas asas da imaginação.
É esse Sancho Pança de um sentido dos dedos que insinua a incerteza, mas não tem força para se sobrepor ao quixotismo do que os olhos querem ainda ver. Na tentativa de combater a cegueira que só via o que queria, outra, maior, lhe tomou o lugar, pois que o excesso da luz também invalida o trabalho da vista. O que veio de fora, no combate constante com a deposta soberana que era a interioridade do Passado deixa à toa o pobre sujeito apanhado entre dois fogos.
De Manuel Altolaguirre à José
Bento:
ESTOU PERDIDO
Profeta de meus fins não duvidava
do mundo que pintou minha fantasia
nos enormes desertos invisíveis.
Reconcentrado e penetrante, só,
mudo, predestinado, esclarecido,
meu profundo isolamento e fundo centro,
meu sonho errante e solidão submersa,
dilatavam-se pelo inexistente,
até que vacilei, até que a dúvida
por dentro escureceu minha cegueira.
Um tacto escuro entre meu ser e o mundo,
entre as duas trevas, definia
uma ignorada juventude ardente.
Encontra-me na noite. Estou perdido.
Envolvido por: «Sonhador», de Glenna Goodacre,
«Um Momento de Dúvida», de Robert Banere e
«Sombra de uma Dúvida», de François Schuiten.
daquele que se consegue resguardar dos contactos cortantes do Real, por via da solidão em que se barrica, ergue a realidade do produto da sua cisma, a qual originará mundos belos, por onde flutuar não custa, que a lei da gravidade não tem lugar nesses privilegiados universos interiores de satisfação.
Satisfação? Pode lá o Homem consegui-la? Quando está inserido, procura a solidão. Quando se derrama nas delícias dela, ou invasões exteriores, ou a sua própria vontade, hão-de acabar por impeli-lo para contactos com elementos que o façam duvidar da excelência de continuar a voar nas asas da imaginação.
É esse Sancho Pança de um sentido dos dedos que insinua a incerteza, mas não tem força para se sobrepor ao quixotismo do que os olhos querem ainda ver. Na tentativa de combater a cegueira que só via o que queria, outra, maior, lhe tomou o lugar, pois que o excesso da luz também invalida o trabalho da vista. O que veio de fora, no combate constante com a deposta soberana que era a interioridade do Passado deixa à toa o pobre sujeito apanhado entre dois fogos.
De Manuel Altolaguirre à José
Bento:
ESTOU PERDIDO
Profeta de meus fins não duvidava
do mundo que pintou minha fantasia
nos enormes desertos invisíveis.
Reconcentrado e penetrante, só,
mudo, predestinado, esclarecido,
meu profundo isolamento e fundo centro,
meu sonho errante e solidão submersa,
dilatavam-se pelo inexistente,
até que vacilei, até que a dúvida
por dentro escureceu minha cegueira.
Um tacto escuro entre meu ser e o mundo,
entre as duas trevas, definia
uma ignorada juventude ardente.
Encontra-me na noite. Estou perdido.
Envolvido por: «Sonhador», de Glenna Goodacre,
«Um Momento de Dúvida», de Robert Banere e
«Sombra de uma Dúvida», de François Schuiten.
6 Comments:
At 12:46 PM, Anonymous said…
lindo
o poema
At 12:07 AM, Jansenista said…
A gravura de baixo lembrou-me a variante "facho" da Gaivota voava, voava, com que certamente o Sr. Engenheiro nos brindará em breve...
At 12:07 AM, Jansenista said…
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At 9:22 AM, Paulo Cunha Porto said…
Tenho de partilhar Consigo, Caro Jansenista, a nota de um espectáculo que testemunhei e que achei horripilante: há umas semanas, subindo a Almirante Reis, por alturas do Intendente, várias prostitutas de meia idade a entoarem, em coro, a versão abrilina da dita. Figura à cabeça das memórias que gostaria de apagar.
At 4:11 PM, Viajante said…
Felizmente, Sancho não con-vive sózinho. E se bem que o Cavaleiro represente as antípodas, quando juntos quase mesclam o que os divide.
E se cada um vê o que pretence, como a «impressão digital» aponta, ainda assim, procura da mesma força é a do gradiente certo de luz. Como de género espelhado parece ser entre interior e exterior...
At 9:05 AM, Paulo Cunha Porto said…
Atenta Viajante:
Sancho não con-vive sozinho, mas não tem também forças para fazer o Cavaleiro ver. E claro que é na dosagem da luz que residirá muito do segredo da pecepção do que solicita cada um. Atingido o equilíbrio neste ponto, restará o problema da margem de disponibilidade e aplicação. Mas esse é outro problema, aí é-se senhor de si, não se avança sob o jugo de uma pura criação própria.
Beijos, também pela generosa reabilitação do escudeiro, vinda de quem, por definição, ilumina.
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