Os Caminhos Interrompidos
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Com o risco de incomodar a minha gata, passei uma noite quase em claro, revistando o meu passado - e as minhas leituras, que são grande parte do melhor que ele tem - para responder à simpática mas problemática interpelação do Miguel Castelo-Branco. E inquiri-me por que razão continuo, ponto por ponto, fiel aos ideais e referências dos meus 17 anos. Talvez porque tenha sido com essa precoce idade que me cansei da admiração de mim, deixada nas lixeiras dos catorze aos dezasseis, compensada com a descoberta do absurdo da vida na época em que tinha substituído o amor próprio pelo "auto-ódio", miserável recurso espertezasaloiesco de continuar na ribalta do meu espítrito, sem dar aos Outros o que era deles. As leituras salvaram-me. Onde, pouco antes, ia buscar justificações para o injustificável, isto é para a minha pessoa, passei a abrir a mente às ideias supra-egoístas dos outros. Com as fraquezas deles enquadradas pelo remorso pungente da minha, descobri o processo crítico pessoal, que me fez eliminar todas as propostas em que descortinava razões menos estimáveis, segundo o critério de identificar estas últimas com os defeitos em que me recordava. E assim cheguei à conclusão de que o supremo absurdo da existência, era, como se tirava de Heisenberg, querer à viva força «interrogar-se sobre um sentido para a vida», quando estava revelado e à nossa disposição O Sentido. Guardei pois o pessimismo como um amigo querido, cuja companhia me era indispensável, mas de quem nem esperava nem espero outros favores. Com ele gosto de confirmar a má conta que faço da natureza humana, porém lembro-o de que se está a esticar quando o fulano tenta eliminar em mim a Esperança na Salvação. Não confio demasiado nas minhas acções. E, nas dos Outros, a última em que investi militância era chefiada pelo Miguel. Mas recebo com o calor da camaradagem, reduzido à ínfima expressão do sorriso acolhedor, as energias em que encontro as orientações que prezo. Nunca quis uma carreira. Ainda hoje a não quero. Tudo isso faz com que não tenha desejado conquistar o Mundo. Nem Portugal. Bastar-me-ia ver o meu País devolvido ao seu Rei e ao seu Deus. E os livros, sempre os livros! Que suprem, ligeiramente, essas grandes faltas.
Com o risco de incomodar a minha gata, passei uma noite quase em claro, revistando o meu passado - e as minhas leituras, que são grande parte do melhor que ele tem - para responder à simpática mas problemática interpelação do Miguel Castelo-Branco. E inquiri-me por que razão continuo, ponto por ponto, fiel aos ideais e referências dos meus 17 anos. Talvez porque tenha sido com essa precoce idade que me cansei da admiração de mim, deixada nas lixeiras dos catorze aos dezasseis, compensada com a descoberta do absurdo da vida na época em que tinha substituído o amor próprio pelo "auto-ódio", miserável recurso espertezasaloiesco de continuar na ribalta do meu espítrito, sem dar aos Outros o que era deles. As leituras salvaram-me. Onde, pouco antes, ia buscar justificações para o injustificável, isto é para a minha pessoa, passei a abrir a mente às ideias supra-egoístas dos outros. Com as fraquezas deles enquadradas pelo remorso pungente da minha, descobri o processo crítico pessoal, que me fez eliminar todas as propostas em que descortinava razões menos estimáveis, segundo o critério de identificar estas últimas com os defeitos em que me recordava. E assim cheguei à conclusão de que o supremo absurdo da existência, era, como se tirava de Heisenberg, querer à viva força «interrogar-se sobre um sentido para a vida», quando estava revelado e à nossa disposição O Sentido. Guardei pois o pessimismo como um amigo querido, cuja companhia me era indispensável, mas de quem nem esperava nem espero outros favores. Com ele gosto de confirmar a má conta que faço da natureza humana, porém lembro-o de que se está a esticar quando o fulano tenta eliminar em mim a Esperança na Salvação. Não confio demasiado nas minhas acções. E, nas dos Outros, a última em que investi militância era chefiada pelo Miguel. Mas recebo com o calor da camaradagem, reduzido à ínfima expressão do sorriso acolhedor, as energias em que encontro as orientações que prezo. Nunca quis uma carreira. Ainda hoje a não quero. Tudo isso faz com que não tenha desejado conquistar o Mundo. Nem Portugal. Bastar-me-ia ver o meu País devolvido ao seu Rei e ao seu Deus. E os livros, sempre os livros! Que suprem, ligeiramente, essas grandes faltas.
A imagem intitula-se «The Broken Path to Faith».
6 Comments:
At 1:36 PM, Pedro Botelho said…
[...] o supremo absurdo da existência, era, como se tirava de Heisenberg, querer à viva força «interrogar-se sobre um sentido para a vida» [...]
Perdoe o tom pedagógico, prezado Misantropo, mas eis aí o erro mortal. Nem isso se deve tirar de Heisenberg nenhum. O que se tira do esforço desse e dos outros é que volta a grande exilada da descrição entendível: a consciência ou experiência directa, que tão bem e tão mal conhecemos. É a praia dum novo oceano!
[...] eliminar em mim a Esperança na Salvação.
A arrogância maior, ó dilecto pensador, é querer a salvação menor.
At 1:59 PM, Paulo Cunha Porto said…
Caro Pedro:
Heisenberg disse, cito de memória, que a procura de um sentido para a vida é, ela própria, «uma questão que não faz qualquer sentido».
Mas, não, Estimadíssimo Comentador. Sou ambicioso, volvo os olhos para a Salvação Maior, embora tema Dela não ser digno!
At 3:00 PM, Pedro Botelho said…
Interpretei a sua fórmula como uma conclusão sua a partir das descobertas de natureza física (aqui quase poderia escrever meta-física), e não como uma citação do Heisenberg em relaçao à vida em geral.
Bem, o que ele pode ter dito é uma coisa, o que se "tira dele" é outra. O que eu tiro do Heisenberg é uma compreensão mais profunda do mistério quântico do que a que tinham os outros preocupados com o assunto. Se este esforço implicava para ele um "sentido", não sei.
Além do mais, teríamos de lhe perguntar se se referia subjectivamente à vida individual ou à vida em geral. Para mim as respostas a essas duas perguntas seriam, respectivamente, "não faz" e "talvez faça".
É o "talvez" que salva a jornada, prezado Misantropo.
At 5:57 PM, Paulo Cunha Porto said…
Claro que o trabalho científico dele era o fundamental e acompanho-O. Mas era também um homem de cultura que lia filosofia e dava entrevistas muito interessantes, apesar de se dizer sempre um amador, nesses campos.
At 7:18 PM, JSM said…
Caro amigo
Tenho de meter férias para acompanhar a sua excelente produção, que vem subindo de nível, o que já não era fácil. Este belíssimo postal, sem indagar tanto da filosofia subjacente, mas atento e admirado pela sinceridade que transmite, merece ressonância.
Parabéns.
At 7:26 PM, Paulo Cunha Porto said…
Obrigadíssimo, Caro JSM. É realmente importante para mim a Sua aprovação, referida a um "post" de facto... especial.
Grande abraço.
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