Leitura Matinal -74

A abertura ao transcendente é sublime mas perigosa.
Um passo em falso e cai-se no pan...teísmo. Uma volta
arás e espreita o precipício do deísmo. Este é um simples
prelúdio da deificação do eu, na medida em que provoque
o salto da relação íntima e priviligiada com o Absoluto
para o culto de si.
Pairando, com asa ferida, sobre estas falésias, embora
salvo no último instante pela consciência da pequenez
própria, o Poeta torna-se aproveitável no que transmite
de receptividade ao que lhe é Superior e no burilar que
nos torne sensíveis e capazes de transfiguração interior,
desde que não se atole na limitada divinização da natureza.
De Teixeira de Pascoaes:

ETERNIDADE

Eu que sou frágil, transitório e vão,
Que projecto no mundo, a sombra duma cruz...
Que sou a desventura, a morte, a escuridão,
Sinto brilhar em mim a eterna luz.

Eu que sou miséria,
A lágrima que tomba desolada,
Conheço bem que existe uma ansiedade etérea
Que arde em minha noite e a deixa iluminada!

Eu que sou frio medo e trágico pavor,
Barro amassado em água de tristeza,
Alma, que é mãe da dor,
Ouço, nos lábios meus, a voz que canta e reza.

Meu frágil ser, que se traduz em gritos,
Meu corpo que se apaga, num momento,
Pressente, para além de espaços infinitos,
Ideal deslumbramento!

Eu que sou a aridez, a lívia secura,
O inverno, que a chorar, se desespera,
Vejo alvorar, crescer, em longes de ternura,
Divina Primavera!

Eu que sou a poeira miserável
que ergue o vento da Via Dolorosa,
A doida angústia a nada assemelhável,
Vejo nascer de mim a esperança radiosa!

Eu que sou o derradeiro e pálido gemido,
O sangrento suor gelado da agonia
Sinto meu coração aberto e redimido,
À luz de um novo dia...