Leitura Matinal -61

A saturação oriunda da repugnância que nos
causam os circunstantes do nosso dia-a-dia
pouco é, quando comparada com o ponto em que
o enjôo do eu dá lugar à discórdia aberta.
Solução? Esperar que passe. Apaziguar-nos, dizendo
para connosco que é a factura a pagar por se possuir
uma vida interior rica. Procurar pôr-lhe cobro com um
meio drástico, à guisa do mais que conveniente fármaco
que de nós afasta a enxaqueca, pode ser fatal. A gulosa
descarnada está sempre à espreita e adora aproveitar
estas deixas para investir contra um íntimo digladiado.
Oiçamos Sá de Miranda:

TROVA À MANEIRA ANTIGA

Comigo me desavim,
sou posto em todo o perigo;
não posso viver comigo
nem posso fugir de mim.

Com dor, da gente fugia,
antes que esta assi crecesse;
agora já fugiria
de mim, se de mim pudesse.
Que meio espero ou que fim
do vão trabalho que sigo,
pois que trago a mim comigo,
tamanho imigo de mim?