Leitura Matinal -30
Foi o inevitável Cioran quem escreveu: «Só um optimista se
suicidaria». Com efeito, quem o não seja espera sempre ir
desta para pior. Para o misantropo, se a morte tem a vantagem
aparente, e não mais que eventual, de o libertar de certas companhias,
nada garante que as que lhe saltem ao caminho o façam ganhar
com a troca. Por conseguinte, é sempre aconselhável a espera
tranquila sem temor, estímulo ou bravatas. Exactamente o oposto
do que escreveu Robert Browning, em versos formalmente mais
do que recomendáveis, que ora publico, na tradução de João
Almeida Flor:
PROSPICE
Temer a morte? Sentir na garganta cerração
e névoas no meu rosto,
quando começam os gelos e estertores anunciam
que me vou avizinhando
do reino das trevas, da tempestade sufocante
e do ponto onde o inimigo espreita.
Ao lugar onde mora o Medo visível e supremo
tem de chegar o homem destemido;
cessou a demanda, atingiu-se o cimo
e desmoronam-se as barreiras
embora falte uma batalha para o galardão
que tudo recompensa.
Toda a minha vida foi combate, por isso uma batalha mais.
A melhor e derradeira!
Não quero morrer de olhos vendados, prisioneiro
forçado a passar pela morte rastejando.
Não. Deixem-me saborear por inteiro este momento, viajar
com meus iguais, heróis de outrora,
resistir à investida e num momento pagar os dividendos da ventura
com esta dor, este negrume e frio.
De súbito minha coragem verá que tudo suaviza;
o minuto de treva em breve expira
e a fúria dos elementos, as demoníacas vozes em delírio
hão-de acalmar e confundir-se;
hão-de mudar tornando-se uma paz da dor nascida,
depois uma luz, depois o teu regaço
ó alma da minha alma! De novo hei-de abraçar-te
e o resto será a paz divina.
Deve o poema ser lido da única maneira que vale a pena, no
domínio da leitura da poesia: a apreciação estética. Não
deve, no entanto, enjeitar-se a profilaxia do medo da morte
que ele possa propiciar, equilibrando os pratos da balança
num ponto médio desprovido de exageração sentimental. Que
ao menos para isso sirva a excessiva nota final de esperança.
suicidaria». Com efeito, quem o não seja espera sempre ir
desta para pior. Para o misantropo, se a morte tem a vantagem
aparente, e não mais que eventual, de o libertar de certas companhias,
nada garante que as que lhe saltem ao caminho o façam ganhar
com a troca. Por conseguinte, é sempre aconselhável a espera
tranquila sem temor, estímulo ou bravatas. Exactamente o oposto
do que escreveu Robert Browning, em versos formalmente mais
do que recomendáveis, que ora publico, na tradução de João
Almeida Flor:
PROSPICE
Temer a morte? Sentir na garganta cerração
e névoas no meu rosto,
quando começam os gelos e estertores anunciam
que me vou avizinhando
do reino das trevas, da tempestade sufocante
e do ponto onde o inimigo espreita.
Ao lugar onde mora o Medo visível e supremo
tem de chegar o homem destemido;
cessou a demanda, atingiu-se o cimo
e desmoronam-se as barreiras
embora falte uma batalha para o galardão
que tudo recompensa.
Toda a minha vida foi combate, por isso uma batalha mais.
A melhor e derradeira!
Não quero morrer de olhos vendados, prisioneiro
forçado a passar pela morte rastejando.
Não. Deixem-me saborear por inteiro este momento, viajar
com meus iguais, heróis de outrora,
resistir à investida e num momento pagar os dividendos da ventura
com esta dor, este negrume e frio.
De súbito minha coragem verá que tudo suaviza;
o minuto de treva em breve expira
e a fúria dos elementos, as demoníacas vozes em delírio
hão-de acalmar e confundir-se;
hão-de mudar tornando-se uma paz da dor nascida,
depois uma luz, depois o teu regaço
ó alma da minha alma! De novo hei-de abraçar-te
e o resto será a paz divina.
Deve o poema ser lido da única maneira que vale a pena, no
domínio da leitura da poesia: a apreciação estética. Não
deve, no entanto, enjeitar-se a profilaxia do medo da morte
que ele possa propiciar, equilibrando os pratos da balança
num ponto médio desprovido de exageração sentimental. Que
ao menos para isso sirva a excessiva nota final de esperança.
0 Comments:
Post a Comment
<< Home